O pianista e compositor Vitor Araújo lançou em 2016 seu 3º álbum, um cd duplo lançado com apoio do edital Natura Musical. Quem conhece Vitor como o prodígio de 17 anos que tocava Radiohead no piano, esqueça: o menino cresceu. “Levaguiã Terê” é um disco complexo, de uma beleza quase impenetrável. Ao vivo, “Levaguiã Terê” é um show de rock de impacto.
Tive a oportunidade de conferir um dos três shows de lançamento que Vitor fez acompanhado de dois guitarristas (Felipe do Mombojó e Felipe Pacheco da banda carioca Baleia), percussão e bateria e foi aí que o disco me ganhou. Ainda no palco, ao final do show, Vitor confessou sua insegurança de tocar com tanta gente. Conversei com ele no dia seguinte que me confidenciou que “muita coisa poderia ter dado errado”, por isso a insegurança.
Realmente o show tem pouco a ver com o disco, por questões técnicas e orçamentárias. O disco tem uma instrumentação mais delicada, com arranjos de cordas que não existem ao vivo pela dificuldade de reproduzir as peças e por causa dos custos de montar um grupo assim, preparar o palco, etc. Disco e show viram peças complementares e considere-se um sortudo se você conseguiu ter os dois.
“TOC”, o DVD lançado pela gravadora Deck em 2008 e que apresentou Vitor Araújo ao mundo, tem hoje pouco a ver com a direção musical que o pianista tomou. Ao começar a compor para seu 2º álbum, “A/B” (2012), ele percebeu que ainda precisava aprender a transportar suas ideias para partituras. A sensação de incapacidade o fez mergulhar de cabeça nos estudos. Ele se mudou para São Paulo e procurou o professor Mário Ficarelli com quem teve aulas focadas no processo de composição.
Enquanto os estudos caminhavam, surgiu a ideia do novo disco, cuja intenção inicial era falar sobre candomblé. Vítor conta sobre uma viagem ao Parque Nacional do Catimbau, quase agreste pernambucano. Lá ele ouviu uma estória de um guia indígena local sobre um pássaro que voava pelos subterrâneos, mas não debaixo da terra, “quase que no mundo inverso, à la Stranger Things, saca?” explica Vítor. Intrigado pela história, Vítor foi pesquisar com professor de filosofia Silvio Moreira e acabou não encontrando referência sobre o tal pássaro mas acabou encontrando outra dezena de lendas e mitos que parecem ter se perdido nas histórias orais.
O álbum duplo é sobre estas lendas. Dividido entre cantos e toques, todas as músicas tem subtítulos que se referem à mitos perdidos ou não estudados. Afinal, será que a estória que o tal guia do Catimbau contou tinha lastro em seus antepassado ou era apenas uma versão distorcida de algo que se ouviu falar? Pesquisando, Vitor achou relações com a estória mas com outros nomes. E toda esta fascinação por lendas brasileiras, pela mistura de religiões, cantos, contos é transposta para um disco de infinito esmero e dedicação.
O processo de composição que se iniciou em 2014 e deveria ter sido lançado em 2015, atrasou um ano: além da imensa dificuldade de escrever todas as partituras e instrumentações, o pai de Vitor faleceu repentinamente de câncer pulmonar, fruto de anos de cigarro. Logo o pai que o havia incentivado aos 10 anos a seguir pela música.
Inspirado em Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim mas também em Radiohead e Sigur Rós, Vitor criou uma obra única na música brasileira atual. Para mim, que não conheço música erudita, conhecer um trabalho que é fruto de estudos musicais sem comparação na música pop é intrigante, em disco e ao vivo. Mas Vitor tratou de rebater, explicando que “Levaguiã Terê” é um disco pop. Que as lendas e mitos protejam o disco, Vitor merece.
O pianista pernambucano Vitor Araújo lança terceiro disco e aproxima música erudita com pop, ao mesmo tempo que fala de mitos e lendas malucas dos índios e negros brasileiros. Talvez um dos disco mais brasileiros dos últimos tempos.