Foi uma luta. Nos encontros online dos colaboradores do midsummer madness, amar ou odiar o disco novo do Arcade Fire foi o assunto dos últimos dias.
Entre desabafos de “sempre odiei essa merda dessa banda“, indieferença à la “o ideal seria não escrever nada sobre esse disco” e messianismo tipo “como assim você não gostou?“, surgiu até uma teoria de que a banda sempre quis ser o U2. A fonte que formulou a teoria inclusive teve contato direto com a banda por alguns anos: “Alguns fatores como primeiro disco pela Merge / Rough Trade, a conexão (inicial) com o povo da cena mais inteligente de Montreal e afins, só tirou um pouco da atenção para o fato de que desde o começo esta banda é o U2“.
Concorda? Discorda? Colocamos de dois lados do ringue opiniões distintas sobre “Everything Now”. Leia abaixo, começando pela opinião a favor.
A gente vive os lugares que a gente não tá e não vive os lugares em que a gente realmente existe
Esse texto começou em um almoço que virou um post no facebook, passou por algumas discussões presenciais, alguns áudios de celular, algumas anotações soltas e precisou de um editor de texto distraction free pra conseguir se juntar no mesmo arquivo.
No caminho entre a minha cabeça e a tela de um computador, esse texto foi interrompido umas quinhentas vezes. Eu devo ter presenciado umas quinze selfies. Umas trinta pessoas falando no celular. Um monte de gente se esbarrando no metrô porque andava olhando pra uma tela. Devo ter participado de umas quatro reuniões, feito umas vinte ligações, respondido uns dez emails e umas cinquenta mensagens no whatsapp.
(abrir parágrafo pra manter o interesse no textão)
Só o facebook me distraiu do texto pelo menos umas cem vezes. Isso que nos três dias que se passaram entre eu resolver que ia fazer esse texto e conseguir digitar todas as palavras que estavam se amontoando na cabeça, eu só conseguir ouvir o disco inteiro umas três vezes. Que também foram interrompidas por todas eventualidades da nossa vida cotidiana, todas essas notificações, essa enxurrada infinita de conteúdo, de informações que chegam do além, todas ao mesmo tempo, e não param de chegar até que você finalmente se encontre exausto de pensar e consiga botar o seu celular pra carregar do lado da sua cama, muito mais tarde que você inicialmente queria, pra finalmente conseguir fechar os olhos e se desligar por algumas horas dessa porra toda.
Até que, opa, alarme, acorda, toma café correndo, atende o telefone no caminho pro trabalho, cê nem repara que já começou a porra toda de novo. Que nem o disco. Everything now.
É genial cara.
Esse disco é sobre e para uma geração que vive essa doideira todos os dias desde que se entende por gente. A gente vive os lugares que a gente não tá e não vive os lugares em que a gente realmente existe. A gente não vive a nossa vida, vive o que ela podia ser.
Alguns críticos disseram que os Arcades ficaram boring, que as melodias ficaram menos variadas, que a emoção se foi. Que o Win canta no disco de um jeito chato, enfadonho, entediado. Como se ele tivesse no estúdio mexendo no celular, querendo ir fazer outra coisa, respondendo mensagens das gatinha no Tinder, conversando cos amigo pra combinar o rolê que ele vai dar depois.
Mas essa falta de presença é exatamente uma das coisas que o disco mais critica. O understatement. A insegurança, a ansiedade. Esse retro-futurismo xoxo. “Everything now” é um chute metalinguístico no nariz de uma geração que não vê o que acontece ao redor porque vive olhando pro próprio umbigo. Só que, normalmente, com uma tela multitouch na frente. Vindo de uma velha banda nova enfiando o dedo na maior ferida do nosso tempo pra ver se a gente não tenta viver a nossa realidade com um pouco mais de presença de palco.
E é um chute tão acessível, dissimulado, com tanta categoria, que é pop o suficiente pra reunir alguns milhares de jovens em shows enormes, juntos, mas sozinhos, gritando que não conseguem viver sem tudo ao mesmo tempo, que estão infinitamente satisfeitos com conteúdos infinitos, rezando pra que deus os torne famosos.
Jovens que criam páginas no sararah pra ficar em frente do espelho e esperar o feedback. Jovens que não pararam pra pensar em todas essas questões back in the day quando o Thom Yorke soltou o “OK Computer” discutindo tudo que estava por vir – porque muitas das pessoas que tem idade suficiente pra frequentar shows do Arcade Fire nasceram depois de 1997.
Talvez elas não conheçam o Abba, nem o Talking Heads ou o New Order, nem as outras referências explícitas que deixaram tanta gente nervosa. Ou talvez elas não se importem. Porque quando é com você que o Win butler tá falando, cara, você sente esse chute na cara. Felizão.
Doing it for the Kids
por Rodrigo Lariú
Na edição 08 do midsummer madness em papel eu escrevi uma resenha sobre o então incensado “Mellon Collie & the Infinite Sadness” do Smashing Pumpkins. O cd duplo havia sido recebido com louros numa unanimidade absoluta de crítica e público. Pois eu achei (e ainda acho) o disco uma bosta. Dai escrevi esse texto acima. E acho que ele se sustenta até hoje.
Deu vontade de fazer o mesmo com “Evertyhing Now” do Arcade Fire. As duas bandas, Smashing Pumpkins e Arcade Fire, surgiram com discos inspiradores (“Gish” e “Siamese Dream”; “Funeral” e “Neon Bible”) para em seguida, lentamente, se encantarem com o estrelato pop, big arenas, o circo dos festivais, o paparico da imprensa. Assim como “Mellon Collie”, “Everything Now” é um péssimo disco de uma banda que um dia já foi boa.
Vão dizer por ai que é a síndrome de exclusividade dos indies, aquela regrinha que diz que quando a banda fica pop, os indies deixam de gostar. Pode até ser, principalmente se considerarmos o que é o pop e o que virou o “indie” dos anos 2000 em diante. Mas isso é assunto para outro texto. Por enquanto, assistam esta live sobre o assunto.
Como eu já passei bastante das 3 linhas que “Everything Now” mereceria, vou me justificar resenhando o 5º álbum de estúdio dos canadenses como um disco pop. Até porque eles abusaram nas homenagens a Bee Gees (“Electric Blue”), Sigue Sigue Sputnik (“Creature Comfort”) e Abba (“Everything Now”). Esses são os pontos altos. E não me venham com o papo de que música para dançar tem que ser acéfala, tai o último disco do Radio Dept para provar o contrário.
O problema é que mesmo como um álbum pop, “Everything Now” é raso: “Signs of Life” é um arremedo de soul & funk como se a banda voltasse ao final dos 70, com Win Butler dando uma de Grandmaster Flash sem ter autoridade para isso, com direito a saxofone e sirenes de polícia. Ah, e a letra! Segundo a crítica musical é uma alfinetada no superficialismo dos relacionamentos cibernéticos. Se “Looking for signs of life / Looking for signs every night / But there’s no signs of life / So we do it again” (Procurando por sinais de vida / Procurando por sinais todas as noites / Mas não há sinais de vida / Então nós fazemos tudo de novo) for a crítica, deus me livre das músicas sem crítica.
“Peter Pan” é um tentativa de dub que, mais uma vez o Radio Dept sabe fazer muito melhor. E a sofrência da letra que pede para alguém ser a Wendy que eu vou ser seu Peter Pan é, desculpem o trocadilho, de uma infantilidade brutal. A desgraça nas letras continua: “Chemistry” tem uma das rimas mais idiotas que só boy-bands ousariam: “you and me / we got chemistry“(eu e você / nós temos química)… sério?
“Infinite Content” deve ter sido aquele momento em que a própria banda se cansou de tanta popice e pensou: “vamos voltar ao básico? Fazer um punk rock?”. Dai sairam as duas músicas mais curtinhas do disco, que de punk só tem uma bateria acelerada… quer dizer, forcei a barra. Não tem nada. E a letra? De novo, a superficialidade impera com o trocadilho de conteúdo infinito / contentamento infinito. Só resta à banda pintar a cara mesmo.
De repente eu não sou mais o target do Arcade Fire. Mas me entristece muito pensar que esse disco pode ser o retrato de uma geração. Do alto da minha ranzinzice quarentona, eu penso em “Hatful of Hollow”, “Painful” e “Ok Computer”.