Quase pensei em criar uma nova categoria aqui no zine: discos que eu nunca ouvi. Seria um cantinho para resenhas sobre aqueles discos que você sempre ouviu falar mas nunca escutou. Seria uma vergonhazinha também porque vocês não vão acreditar na quantidade de clássicos que eu nunca ouvi na íntegra.
Tá, mas confessa, vai dizer que você já escutou tudo que está listados nestes livros tipo 1000 álbuns para ouvir antes de morrer? Claro que não, né? Não dá tempo.
Depois mudei de ideia, vamos colocar aqui em Discoteca Básica mesmo. Até porque a importância destes discos permanece, gostando ou não deles. Criei alguns critérios para avaliar a relevância do disco depois de tanto tempo. Tá tudo detalhadinho, lá no final.
“O Ápice”, lançado em 1988 pela loja/selo Wop Bop, pode ser considerado o único álbum do Vzyadoq Moe, de Sorocaba (SP). Formado por adolescentes que tinham 15 a 17 anos em 1986: Fausto Marthe (voz e letras); Marcelo Raymond (guitarra); Jacksan Moreira (guitarra); Marcos Stefani (bateria e percussão) e Edgard Degas (baixo). Depois de “O Ápice” a banda ainda colocou músicas em algumas coletâneas e lançou “Hard Macumba” em 1991, que a banda chama de álbum mas tem cara de EP. Então esse é realmente o ápice da obra do Vzyadoq Moe. 😉
Curioso é que, lá pelos idos de 1989 eu fiquei sabendo da existência do VM pelas coletâneas. “Enquanto Isso?!” era uma coletânea com Killing Chainsaw (e para mim isso bastava) além de 3 Hombres, Solano Star, Akt2, Notícias Populares e Vzyadoq Moe (lançada em vinil pelo selo Manifesto). A outra era “Sanguinho Novo – Arnaldo Baptista revisitado” (lançada pela Gravadora Eldorado) que eu fui escutar sem muita convicção só por causa de Ratos de Porão, Sepultura e Maria Angélica.
O veredicto sobre Vzyadoq Moe na época?
Nunca contei pra ninguém, mas não gostei. Achei ‘experimental’ e ‘ultrapassado’. É que na época eu não estava preparado para o pós-punk puro à la Mission of Burma, Gang of Four e Einsturzende Neubaten. Ainda mais misturado com elementos percussivos brasileiros e cantado em português! Em 1989, qualquer coisa que lembrasse o rock brasileiro do começo da década (e cantar em português lembrava) era simples e ditatorialmente ignorado. Ahh, as convicções da adolescência…
Agora que “O Ápice” está nas plataformas de streaming eu fui ouvir.
O disco começa desafiador com uma introdução em “Junto Ao Céu” até engatar na fúria percussiva, guitarras rascantes e baixo marcado que caracteriza a banda. A bateria salta aos ouvidos: o embolo sonoro não deixa distinguir o que é bateria, o que parece drum machine e o que é contrabaixo. A bateria usada por Marcos Stefani era formada por latões e pedaços de metal, conferindo ao Vzyadoq Moe um som “industrial” (como era chamado na época).
A vanguarda do disco está não só na mistura do pós punk com brasilidades mas também no namorico com experimentos proto-eletrônicos, como samplers e camadas de vozes, bastante aparente na 2ª faixa, “O Último Desígnio”. Cruzar o “alternativo da moda” (pós-punk) com elementos brasileiros era bem comum às bandas menos comerciais da época: Smack, Fellini, Voluntários da Pátria e Mercenárias abusavam da mistura. Mas a experimentação nos instrumentos e na eletrônica, nem tanto. Harry e Gang 90 exploravam esse caminho, mas nada como o Vzyadoq Moe.
O climão de “Desejo em Chamas” é quase de um Bauhaus versão demo. A temática das letras, carregadas de existencialismo e romantismo mórbido, lembra ainda mais o clima “gótico” das bandas inglesas que se inspiravam na Berlim do início do século XX. E a voz de Fausto é muito próxima da de Peter Murphy.
É curioso ouvir a tocada sambística de “Redenção” e “Não Há Morte” e pensar no VM como um filho tardio do rock paulista de meados dos anos 80. Seria uma evolução? Só que o Black Future fazia algo igual 2 anos antes no Rio de Janeiro. E se você pensar que em 1988 já existiam Pin Ups e que o carioca Eterno Grito estava virando Second Come, o Vzyadoq Moe parecia para o adolescente enxaqueca (eu) algo “ultrapassado”.
Em 1988 você ainda podia ir no Madame Satã em São Paulo, ou no Kitschnet no Rio de Janeiro. Mas também podia ir nas festas “guitar” do Kid Vinil e Marcel Plasse, ouvir o Novas Tendências do Zé Roberto Mahr. “O Ápice” ficava no limiar de uma mudança, na beiradinha do precipício do demodê. Mas quase 30 anos depois, soa atual.
Gravado nos estúdios da gravadora Eldorado em São Paulo, produzido pelo jornalista e integrante da banda Chance, José Augusto Lemos, “O Ápice” tem 10 músicas em 33 minutos, foi lançado somente em vinil e ganhou status de cult. René Ferri, dono da Wop Bop, relatou ao blog Mofo que o disco veio carregado de expectativas mas resultou em tremendo fracasso: “O disco nos deu a ideia completa do que é editar um retumbante fracasso. A gravação se deu no velho e superadíssimo Estúdio Eldorado, sei lá por que motivo. Acho que os músicos não levaram muito a sério o trabalho. A banda devia ser um brinquedo para eles. O corte do disco na RCA saiu ruim e ninguém percebeu ou fez que não percebeu. Conseguimos vender menos de 300 cópias. Foi o disco que mais divulgamos e o que menos deu retorno. Um fracasso completo”.
O resultado final hoje não parece uma brincadeira. E René anda bastante amargo sobre qualquer lembrança a respeito da Wop Bop. Em contatos recentes com ele, na tentativa de gravar entrevista, René sempre se refere ao fracasso comercial da Wop Bop sem se dar conta de como são importantes os discos que o selo lançou.
“O Ápice” termina desgraçadamente deprê e experimental, com a música título seguida de uma intermissão de 49 segundos intitulada “Guerra das Sombras” e, mal comparando, o similar de uma versão extended de “Bela Lugosi’s Dead” do Vzyadoq Moe, intitulada “Expansão”. Difícil para ouvidos acostumados a carinhos do pop rock mas um coerente invólucro para divagações tropical-expressionistas, se isso for possível.
No ano seguinte, em 1989, o muro de Berlim cairia, a Perestroika acabaria com a Guerra Fria e a música mais sombria e existencial, curiosamente, deixaria de fazer sentido.
Como avaliar esse disco depois de tanto tempo segundo sua...
primeiro álbum do quarteto pós-punk de Sorocaba, lançado em 1988, é liberado para streaming e nós o analisamos subjetivamente quase 30 anos depois