O texto abaixo é uma tradução autorizada do texto original “Last Train to Mouldsville“, escrito pelo Dr Michael Brown, curador de música da Alexander Turnbull Library (Nova Zelândia). O texto original em inglês está aqui e foi publicado pela Flying Nun Foundation, uma fundação ligada ao lendário selo musical Flying Nun.
Last Train to Mouldsville
As recentes revelações sobre o desastroso incêndio no almoxarifado da Universal Music em 2008, onde cerca de 170.000 fitas master foram perdidas, destacam o quão vulneráveis essas importantes gravações podem ser. Mas as ameaças a estes artefatos nem sempre são tão espetaculares quanto um inferno estrondoso. Existem vários outros perigos mais lentos, e ainda mais graves, que em muitos casos podem ser evitados com um armazenamento cuidadoso de fitas masters.
Este blog apresenta um breve resumo de algumas medidas simples que você pode tomar para proteger suas gravações em fita magnética.
Antes de listar do que as fitas precisam ser protegidas, vale reiterar por que o conteúdo delas é tão importante em primeiro lugar.
As masters de áudio representam as fontes de melhor qualidade para gravações musicais. O áudio geralmente é muito mais detalhado e rico em saturação de frequência do que aqueles formatos repassados ao consumidor, como vinil, CD ou arquivo digital. Nas partículas magnéticas da camada encadernada da fita estão a maior quantidade de informações sonoras originais de uma gravação específica. Como tal, as masters são o ponto de partida ideal para remasterizações ou remixagens posteriores. Elas também podem conter músicas inéditas, outtakes e mixagens alternativas, valiosas para se retrabalhar criativamente ou complementar reedições futuras, ou ainda para estudiosos da música no futuro. O mesmo se aplica a gravações mais informais, como demos, gravações de shows, fitas de ensaios e jam sessions.
No entanto, fitas magnéticas são vulneráveis a todos os tipos de agentes de deterioração. Os 10 agentes identificados por arquivistas e conservadores são (lista retirada do Canadian Conservation Institute):
- Forças físicas (por exemplo, impacto, vibração, pressão)
- Fogo
- Pragas (por exemplo, microorganismos, insetos, roedores)
- Luz, ultravioleta e infravermelho
- Umidade relativa incorreta
- Ladrões e vândalos
- Água
- Poluentes
- Temperatura incorreta
- Dissociação (ou seja, perda de informações sobre objetos)
Tudo isso pode contribuir para a deterioração ou perda das fitas e seu conteúdo. Ao longo dos anos, ao examinar fitas com potencial para inclusão na Biblioteca Alexander Turnbull, percebi as consequências causadas pelos agentes citados acima e que foram, às vezes, agressivos demais: bobinas quebradas, cartuchos de fita de vídeo esmagados, fitas enroladas, contaminação por produtos químicos domésticos, camadas de sujeira, mordidas de insetos, fezes de moscas e morcegos (guano), capas de fitas torcidas por contato com água e – é claro – infestações de fungos, que vão desde a mancha branca única até pujantes colônias branco-esverdeadas. As fitas podem sofrer uma ou várias dessas deteriorações ao mesmo tempo.
Reparar e restaurar uma fita danificada de volta a um estado reproduzível pode exigir horas ou até dias de trabalho. Em alguns casos, mesmo com muito esforço e boa intenção, pode ser tarde demais. O conteúdo pode estar bastante degradado – afetando diretamente sua condição de áudio master! – ou até perdido para sempre.
Vale lembrar que a fita magnética pode ainda sofrer dois riscos adicionais. O primeiro é a instabilidade química decorrente da composição da fita, resultando na sticky-shed syndrome (síndrome da perda pegajosa?) e outros problemas (confira este artigo de Richard Hess).
A segunda é a obsolescência: a disponibilidade cada vez menor de máquinas para reprodução, peças de reposição e engenheiros capacitados. Alguns estudiosos prevêem que só temos até 2025 antes que a digitalização total se torne extremamente danosa, criando a impossibilidade total de adquirir equipamentos antigos (confira o artigo “Deadline 2025”).
Diante deste enorme risco, quaisquer medidas que donos de fitas de áudio puderem adotar para protegê-las serão importantíssimas. Claro que poucos poderão controlar totalmente os ambientes onde armazenam suas fitas. Mas uma ação simples, como colocá-las em um saco plástico dentro de sua caixa, pode fazer muita diferença.
Recentemente, encontramos uma coleção de fitas que foram armazenadas no mesmo local por muitos anos. Embora uma família de aranhas tivesse se instalado nas caixas, as fitas ensacadas estavam intactas, enquanto que muitas das aranhas já haviam embarcado no último trem para mofolândia.
As dicas abaixo – adaptadas do site da Biblioteca Nacional da Nova Zelândia sobre como cuidar de gravações sonoras – fornecem diretrizes básicas sobre como cuidar de suas fitas de áudio.
Armazenando fitas
O melhor lugar para guardar gravações sonoras é um local fresco, escuro, seco e bem ventilado, como um armário ou estante. Mantenha gravações sonoras:
- distante do chão;
- num local onde as fitas não serão constantemente manipulados ou perturbados; e
- longe de fontes de luz, calor e água.
Uma coleção de gravações sonoras pode ser pesada, portanto, certifique-se de que elas sejam armazenadas em prateleiras fortes.
Armazene as fitas na vertical. Deixá-las planas (deitadas) fará com que a fita fique distorcida. Evite empilhá-las pois o peso danifica as que estão embaixo.
Cada fita deve estar em uma caixa individual e tanto a fita como a caixa devem ser rotuladas com o conteúdo da gravação, ajudando a evitar a dissociação. Uma fita de rolo também pode ser colocada dentro de um saco não vedado feito de polietileno ou polipropileno (ambos relativamente inertes) dentro de sua caixa. Isso oferece uma camada adicional de proteção contra flutuações de temperatura e umidade, embora seja importante não selar para evitar criar um microambiente.
Verifique se os cassetes e VHS armazenados estão totalmente rebobinados.
Campos magnéticos podem apagar o conteúdo das fitas. Armazene-as longe de qualquer coisa que possa criar forças magnéticas como aparelhos de TV, computadores, telefones celulares e outros aparelhos elétricos como transformadores elétricos e pilhas.
Manuseio cuidadoso
O manuseio é uma das principais causas de danos; portanto é importante que elas sejam manuseadas o mínimo possível e sempre com cuidado.
A superfície e a borda da fita em cassetes e VHS são facilmente danificadas. Por isso a fita nunca deve ser tocada.
É importante manusear as fitas de rolo, bobina por bobina, sempre pelo centro. As fitas de bobina correm mais risco pois não são protegidas por um estojo.
Tocando fitas
O uso repetido de fitas causará desgaste e danos. Manuseie e reproduza gravações originais o menos possível.
Evite pausar, pois isso causa estresse à fita. Mudar rapidamente de rewind para forward, sem parar a fita antes, também causará tensão e danos.
Armazene cassetes e fitas de vídeo totalmente rebobinadas para evitar criar tensão em um ponto da fita.
Cópia e digitalização de fitas
Fazer uma cópia geralmente é a melhor opção para preservar uma gravação de som. Os benefícios são:
- reduzir o desgaste do original;
- criar gravações extras em caso de acidente ou roubo;
- criar novas cópias em formatos que podem ser reproduzidos com equipamentos atuais.
Para gravações sonoras únicas é uma boa ideia ter uma cópia principal e uma cópia para audição e referência. A cópia principal deve ser feita com os melhores padrões possíveis e usada apenas quando for necessário produzir outra cópia. Mantenha as duas cópias em locais diferentes para reduzir a chance de serem destruídas num acidente.
Copiar gravações de som é um processo técnico e demorado. O trabalho precisa ser realizado por uma empresa especializada e custa caro. Você pode solicitar financiamento para projetos de arquivamento e cópia. Existem agências que concedem financiamento para esses projetos* (Consulte este site para informações sobre financiadoras). Use apenas uma empresa reconhecida e capaz para fazer cópias.
Outras fontes de leitura:
- Cuidando de suas gravações sonoras (Biblioteca Nacional da Nova Zelândia)
- Cuidando de fitas de vídeo (Ngā Taonga Sound & Vision)
- Manuseio e Armazenamento de Áudio e Vídeo Carriers TC 05 (Associação Internacional de Arquivos de Som e Audiovisuais)
- Dez agentes deterioradores (Canadian Conservation Institute)
- Programa de rádio sobre preservação audiovisual (Radio NZ)
Agradecemos a Nick Guy pela assistência com este blog.
*[n. do e.: apenas na Nova Zelândia, claro]
Nossos agradecimentos à Flying Nun Foundation e à Caroline pela autorização para republicação em Potuguês. Tradução por Rodrigo Lariú