ODE AO TEXTÃO
Muita gente detesta Textão de Facebook. Considera esse blocão de texto uma chatice, um exagero, a ferramenta oficial dos problematizadores, um quebra-molas em seu feed. Você está lá, de boa, curtindo memes, fotos constrangedoras de amigos & conhecidos, gif’s divertidos, e surge aquele moooonte de linhas com letras e vírgulas (às vezes tem até ponto e vírgula!!!), parágrafos intermináveis, problematizações infinitas. Como curtir?
Essas pessoas não deixam de ter razão. O Textão é um intruso em uma rede social desenhada para a produção e consumo de conteúdo rápido & rasteiro, na qual o tempo médio que se passa por um post é de menos de 3 segundos (segundos dados do próprio Facebook). Não é natural abrir tempo para dois ou três minutos de Textão quando o feed borbulha de coisas mais coloridas e saborosas.
Mas é justamente aí que reside, a meu ver, o valor do Textão. Na página do Facebook que abri para postar esse Textão, contei quase 80 pequenos elementos gráficos entre ícones, avatares e botões disputando minha atenção, além de mais 60 pequenos textos que descrevem parte desses elementos, fora os posts do feed. A interface do Facebook é um massacre cognitivo. São quase duas centenas de microestímulos em uma única rolagem. O Textão, queira você ou não, é um respiro nessa ruideira. Não apenas por ser um blocão, mas por ser um blocão de um assunto só, um blocão de elementos textuais minimamente articulados (claro, se o Textão for minimamente decente). O Textão é um intervalo.
Outro motivo pelo qual eu gosto do Textão é que ele chegou para dar voz às almas blogueiras que nunca se conformaram com a dificuldade em arrancar os olhos das pessoas do Facebook e levar para uma plataforma mais adequada aos formatos extensos de texto. Mark Zuckerberg bem que tentou cativar essas almas com o Notas, mas sua baixa taxa de leitura e seu layout empolado acabaram preteridos pela praticidade e facilidade em simplesmente sair digitando enlouquecidamente direto no campo de status. E mais: diferente de posts em blogs ou no Medium, o Textão alcança rapidamente uma parcela significativa de audiência – ainda que seja uma audiência misturada entre interessados no que você tem a dizer e incautos que foram impactados por compartilhamentos.
Esse predicado do Textão, tenho notado, resgatou acadêmicos das profundezas dos periódicos e de seus blogs obscuros e os trouxe ao Facebook, para conviver com os mortais. Desde Junho de 2013, pelo menos, tenho lido análises interessantíssimas sobre o status da situação brasileira escritas por sociólogos, cientistas políticos, filósofos, acadêmicos de direito e até alguns jornalistas (sinto falta de mais comunicólogos nessa esfera). É o que o Textão tem a oferecer de melhor: textos não apenas longos para o Facebook, mas também consistentes, articulados e bem embasados. Além disso, é comum que esses intelectuais interajam com os comentários, enriquecendo o Textão. E tudo isso sem um monte de imagens e links para atrapalhar a leitura concentrada.
Claro que o Textão de Facebook tem seus defeitos inerentes: primeiro, pelo Facebook não ser uma plataforma nativa de textões, é difícil organizá-los e guardá-los para leitura posterior, dando um trabalho extra a seus redatores e leitores; em segundo lugar, por ele ter nascido em uma plataforma tão popular, é comum que diletantes e amadores se joguem no Textão como se só o fato dele ser longo resolvesse suas dificuldades de articulação.
Mas, mesmo nesses casos, acho que o Textão tem seu valor. Quando alguém dá um tempo para escrever um Textão em vez de uma frase de efeito, no mínimo parou um tempinho, se recolheu ao seu mundo interno, tentou articular algumas ideias. É um tempinho que ficou fora do turbilhão e se obrigou a produzir algo mais do que um espasmo textual baseado em uma responsividade automática.
De Textão em Textão, quem sabe a gente não volta a se entender.
por Gustavo Mini
vocalista e guitarrista da banda Walverdes e Head de Estratégia da agência digital DZ Estúdio.