Mike e Daniela se conheceram em 2011, em Bari na Itália, e estão juntos desde então. Michael Farren é irlandês e Daniela Angione, italiana. Os dois se casaram em 2015, tem hoje trinta e poucos anos e um filho de menos de um ano.
Como qualquer um que vê os sonhos da adolescência se esvairem no cotidiano adulto, um dia Mike resolveu vender seus intrumentos e equipamentos de gravação. “Eu havia perdido o prazer de fazer música já que não conseguia gravar nada parecido com o som que eu tinha na cabeça“.
Mas a Daniela o convenceu a não vender.
Depois de uma pesquisa, ele percebeu que a tecnologia havia mudado tanto que aqueles sons na sua cabeça talvez fossem reproduzíveis. A primeira gravação foi um drone de 30 minutos e a diversão estava de volta. Um dia, tocando “Signs of My Melody”, Daniela começou a cantar. Assim, em março de 2018, nasceu o Submotile.
Mike tocou em bandas shoegazer desde os 15 anos (“todas devidamente arquivadas” segundo ele) mas para Daniela, o Submotile é sua primeira banda. Parte fundamental na composição, Daniela divide os vocais, toca baixo e teclados enquanto Mike cria as guitarras e samples, além de produzir as gravações. Para gravar as baterias, os dois pediram ajuda de amigos em Dublin, onde moram.
O EP de estreia “We’re Losing The Light” saiu em agosto de 2018, traz cinco músicas e foi gravado na casa do casal durante cinco ou seis meses. Não é muito tempo mas para Mike parece que demorou uma eternidade. “Eu pensava: porque três camadas de guitarra se você pode ter sessenta? Gastava dias mexendo nas músicas. ‘Summer Sequence’ por exemplo, tem 110 camadas de instrumentos!!”
Irlandeses, gravações complexas, shoegaze… a primeira comparação que vem à cabeça é com my bloody Valentine. “Swans é uma banda fascinante também. As pessoas geralmente acham sombrio e brutal mas eu vejo apenas beleza. Músicas com ‘Song for Dead Time’ e ‘The Most Unfortunate Lie’ são a principal inspiração para ‘Signs of My Melody’ e ‘Slea Head January 1986′”, revela Mike.
Com 15 músicas no repertório, resolveram gravar oito mas apenas cinco entraram no EP. Segundo ele, estavam repetitivas. “Nosso processo de composição ainda é engessado. Eu e a Daniela dividimos a criação das músicas, em situações parecidas com a de ‘Signs of My Melody’.” Fora isso, a rotina deles se aproxima mais da vida de qualquer pai e mãe novatos do que de umaa banda de rock.
As letras são todas de Mike, que admite o tom “dark” das letras. “Dizem que eu sou temperamental, rabugento. Deve ser por causa disso“. A paternidade também reduziu o número de horas de sono (lembra Kevin Shields explicando que a privação de sono era o principal motivo da levada arrastada de “Isn’t Anything”?) “Some a isso o fato de que ano passado tivemos um dos anos mais chuvosos de todos os tempos. Nos restava ficar em casa e mergulhar na música“, acrescenta.
Vivendo perto da costa, com um mar escuro, frio e agitado próximo, as músicas do EP de estreia “We’re Losing the Light” acabaram encharcadas dessa atmosfera. “Tailspin”, a faixa que abre o lançamento apenas digital, é a perfeita concretização da influência do Oceano agitado com o som do Swans que martela a cabeça de Mike.
“An October Ending” começa com riffs limpos de guitarra no melhor estilo Pale Saints, Ride e MBV fase “Strawberry Wine”. A voz de Daniela cresce logo nos acordes iniciais, acomodada entre as dezenas (talvez centenas) de camadas de instrumentos e efeitos.
Sim, o Mike tinhas belas músicas rondando sua cabeça há muito tempo. A inaugural “Signs of My Melody” vem na sequência, com uma levada mais arrastada, que deve agradar aqueles que prefere a calmaria do Slowdive. A voz sussurada de Daniela, sobreposta aos próprios backing vocals, repete com precisão a fórmula de talentosos ícones do gênero como Miki Berenyi (Lush) e Beth Thompson (Medicine).
Falando em Medicine, “Summer Sequence” traz samples e viradas de bateria que lembram as pirações de Brad Laner, acomodando uma letra que fala sobre viver por 30 anos no mesmo lugar. O EP fecha com a complexa “Slea Head Januray 1986” e suas belas distorções no final. Rebento artístico lançado, será que pai e mãe pensam em fazer shows. “Está nos nossos planos. Eu adorava tocar ao vivo quando adolescente e não vejo a hora de sentir estas músicas no palco. Talvez em 2019.”
Mike lembra que Dublin, apesar de capital, é uma cidade pequena. O provincianismo e a total inaptidão de ambos para auto-promoção podem condenar o Submotile a mais profunda obscuridade. O casal acha necessário alguns shows na Inglaterra, principalmente em Londres, para conseguir alguma atenção. (Como vocês podem ver, não é tão diferente do Brasil, onde bandas tem que se realocar para São Paulo). “Por enquanto estamos focados somente na música. Toda a nossa energia e recursos são direcionados para torná-la tão boa quanto for possível – este EP é um bom começo, mas é apenas um começo“.
Preparem-se Mike e Daniela, é um mundo voraz lá fora, com excesso de bandas, de informação, competição por algo que não deveria obedecer a cartilhas de marketing. Eu achei uma das melhores coisas que ouvi até agora em 2018 mas talvez o Submotile vire apenas mais um nome na sua coleção musical. “Às vezes a rejeição pode tirar o melhor de você. Algumas reações ao EP foram tão desconexas que beiram a comédia. Um blog por exemplo disse que ‘Tailspin’ tinha guitarras tão altas que pareciam apenas ruído. Parece algo escrito pela minha avó!“. Será o anonimato vai deixar o casal ainda mais inspirado em sua solidão costeira?
Como fazer então, para se informar e promover a banda? “Existem alguns bons grupos no Facebook, embora você não queira ser aquele cara que está sempre postando sobre sua própria banda. Em termos de jornalismo, existem ótimos blogs por aí, o thequietus é realmente fantástico e saudável. Eu parei de ler a imprensa mainstream há alguns anos atrás. São as mesmas bandas de merda recebendo cobertura ad nauseum”.
A gente concorda Mike. Talvez seja melhor permanecer no escuro.
Ouça
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