Tentei vê-los no festival The Great Escape em Brighton mas não consegui: uma fila enorme na porta. A chance seria na semana seguinte, em Londres. Mas, ingressos esgotados. Mesmo assim, fui pra porta e consegui comprar de cambistas. Esse luxo de comprar fora da lei eu só reservo para bandas com alto pedigree, foi a primeira vez para uma banda “desconhecida”.
Antes do show começar, uma sensaçãozinha estranha de ter gasto dinheiro à toa. Culpa da 2ª banda de abertura, Bodega, uma tentativa mal executada de Talking Heads. Ainda bem que foi só o quinteto de Melbourne subir ao palco para as quinze pratas começarem a valer muito a pena.
O Rolling Blackouts Coastal Fever se formou em 2013 com o guitarrista, vocalista e compositor de maioria das músicas Fran Keaney. A ele se juntaram os irmãos Tom (guitarra e voz) e Joe Russo (baixo), Joe White (mais um guitarrista) e o baterista Marcel Tussie. Lançaram alguns singles pelo selo australiano Ivy League e o EP “Talk Right”, que os levou também à Sub Pop para lançamento nos EUA. Em 2017, os dois selos lançaram mais um EP “French Press”. A banda começou 2018 numa turnê enorme pela Europa e Estados Unidos, promovendo seu álbum de estreia, “Hope Downs”, que será lançado dia 15 de junho deste ano.
(essa é uma das minhas favoritas)
Conhecia umas três ou quatro músicas deles e fui ao Electric Ballroom para conferir mesmo. As semelhanças com Go-Betweens, Hoodoo Gurus e toda estirpe ensolarada de surf rock australiano me deixaram curioso. O Rolling Blackouts Coastal Fever superou todas expectativas. Vocês vão me perdoar porque, como não conhecia a maioria do set, passei batido na ordem das músicas.
O que dá para descrever é que na maioria das músicas são duas guitarras e um violão. Não tem baladinha e as músicas não se parecem uma com as outras. O set durou 40 a 45 minutos e foi swell atrás de swell. Baixo e bateria super firmes, quase no metrônomo, uma precisão germânica, com seções instrumentais alongadas no melhor estilo kraut rock.
Outra coisa que vocês vão ter que desculpar é que não sei quem era quem no palco. Um dos dois guitarristas tem a voz muito parecida com Grant McLennan (Go Betweens). A temática também lembra muito os conterrâneos, falando do isolamento do vasto interior australiano, de lembranças e amores não correspondidos.
Eu tenho um medidor interno para músicas surf que comecei a desenvolver nos anos 80, na época de Fluminense FM e Realce. Ele mede quando a música funciona perfeitamente para o seu drop na onda. É só você se imaginar descendo uma onda enorme, pegando um tubo, e avaliar se a música em questão atende aos requisitos de trilha sonora. O show do RBCF é drop na Gold Coast ou em Nazaré o tempo inteiro. “Write Back”, do primeiro EP, foi uma que eles tocaram, tem os solos de guitarra espertos, a levada kraut acompanhada pelo violão à la Woodentops e a troca de vocais, como o Go Betweens.
“An Air Conditioned Man” é o single novo e eu gravei esse vídeo:
Dá pra sacar as melodias que lembram um Television mais animado ou até um Felt; no meio da base entram aqueles dedilhados da época “Murmur” do R.E.M., tudo sob uma camada de guitarras que não te deixam levar caldo. Pra fechar, solos que deixariam J. Mascis orgulhoso.
Enfim, não sou bom de descrever tecnicamente música, nunca toquei nenhum instrumento. Vou pelo feeling. E o show do Rolling Blackouts CF me fez surfar todas as ondas que eu nunca peguei na vida. Ainda estou bolado como uma banda desconhecida pode agradar em cheio com apenas um show.
É amor à primeira vista.
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quinteto australiano mantem a tradição surf rock e supera as expectativas ao vivo em Londres