Acabo de ler um excelente artigo do Pitchfork contando a quantas andam as college radios norte-americanas. Famosas nos anos 90, as rádios universitárias sempre foram o espaço para uma programação musical mais livre, mais próxima da sua comunidade e por isso serviram para catapultar inúmeros artistas.
Mas parece que nos últimos anos nos Estados Unidos, várias universidades têm vendido suas frequências, e pela lei de lá, isso não tem volta.
Me senti obrigado a escrever a respeito porque nos anos 90, mais exatamente entre 1992 e 1994, fui generosamente convidado por Rogério Maradona, VRS Marcos e Dodô para participar da produção de um programa chamado College Radio, que ia ao ar aos sábados, de 18h às 19h, na Fluminense FM. Lá nós tocamos bandas que nunca tinham aparecido no rádio e continuaram sem aparecer. A experiência deixou as melhores lembranças: até hoje, volta e meia, alguém fala das loucuras que nós quatro fazíamos naquela 1h semanal (a foto acima é de uma matéria do Jornal do Brasil, escrita por Pedro Só, sobre o programa).
O mais bacana do texto da Pitchfork, escrito por Kevin Lozano, é destacar a influência que uma música tocada numa rádio sem as amarras de grandes corporações e sem marketing por trás, pode causar num ouvinte desavisado. Sei que parece romântico falar de rádio na era da banda larga, do streaming, mas não se engane: se você já teve a experiência de ser pego de surpresa por uma música maravilhosa no rádio, você vai entender do que estou falando.
Em nossa pesquisa recente sobre como você ouve música, 14,7% das pessoas disseram também se informar sobre novidades e lançamentos pelo rádio, a antepenúltima posição entre todas as opções (um resultado distinto desta pesquisa sobre rádio nos EUA, que mostrou a importância do veículo).
Não poderia ser diferente, principalmente se levarmos em consideração o dial brasileiro, altamente corporativo e tediosamente viciado. A pergunta é: se você soubesse que existe vida inteligente no rádio, você daria uma chance? E não estou falando de uma rádio de indie rock, até mesmo a recém fechada MPB FM do Rio de Janeiro, que estava longe de ser uma rádio universitária mas era uma pequena alternativa à mesmice, confirma como o dial brasileiro está longe de ser um espaço de difusão de novidades musicais.
A lei de comunicações norte-americana garante a todas universidades uma licença de FM, e estas ficam sempre à esquerda do dial, entre 88,1 e 91,9 Mhz. Ter uma licença de comunicação pública é algo muito valioso. E ao mesmo tempo, custoso. Como os dias dourados das college-radios já passaram e os custos de manutenção de antenas, equipamentos, funcionários, pagamentos de direitos autorais são altos, muitas universidades venderam suas frequências. O problema é que a lei garante a frequência mas uma vez vendida, não há como obtê-la de volta, somente pagando. E os valores são altos: o artigo da Pitchfork diz que a licença da KUSF, da Universidade de São Francisco, foi vendida por US$3,5 milhões.
A falta que uma rádio não-corporativa faz é enorme. E as rádios universitárias vem suprindo esta lacuna nas últimas três décadas. Programadas por alunos, com participação da comunidade, as college radios estão sempre na vanguarda dos sons, por uma simples questão de rodízio à la (banda) Menudo : alunos formados devem deixar a rádio para dar espaço aos calouros. Além disso, por não estar obrigada a ser rentável, não cede aos modismos do mercado musical. E ainda mais: por ser um espaço de aprendizado, quase sempre traz produções experimentais.
Autonomia, liberdade de expressão, experimentalismo: o que fazíamos no College Radio, que não era uma rádio mas apenas um programa, era mais ou menos isso. Para além das puras lembranças, não falo sobre o artigo da Pitchfork somente por nostalgia. Eu realmente acredito na necessidade de continuidade destes espaços na comunicação pública. E tenho o ex-presidente Barak Obama para me defender. No artigo de Lozano existe um depoimento de Obama, dito num encontro de College Radios em 2013: “By empowering students to add their voices and opinions to the airwaves and connecting listeners to new ideas and artists, college radio fosters creativity, promotes emerging musicians, and serves as a platform for students to engage with one another.” (Ao capacitar alunos para adicionar suas vozes e opiniões no rádio e conectar os ouvintes com novas ideias e artistas, as college radios fomentam a criatividade, promovem músicos emergentes e servem como uma plataforma para os alunos se envolverem uns com os outros.)
Aqui no Brasil nós nunca tivemos rádios universitárias muito fortes (ou talvez eu esteja desinformado, por favor, corrijam-me). Me lembro da rádio da Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro, que durante um tempo abrigou o Novas Tendências do José Roberto Mahr; e da Brasil 2000 FM em São Paulo, onde ouvi e vi muitas bandas novas. Atualmente, me parece que a rádio USP tem uma programação menos amarrada, mas é só.
O artigo da Pitchfork termina com um relato de Bradford Cox, da banda Deerhunter, contando como uma audição fortuita de uma música na rádio universitária de Atlanta, a WREK, o influenciou artisticamente. É justamente esse meu ponto: a audição sem querer de uma música que você não conhece e gosta, ou até mesmo a experiência de ouvir uma de suas músicas favoritas sem que você aperte o play, são definitivas.
Em nossa pesquisa, quase 70% das pessoas disseram que se informam sobre novidades através de blogs e indicação de amigos. São caminhos não-musicais: alguém te fala de uma banda, você corre atrás e escuta. Além de não-musical, já existe, na maioria das vezes, uma predisposição para gostar daquilo. Ouvir no rádio, ou até mesmo numa webradio, numa festa, ou em qualquer lugar onde você não escolhe a sua música, é diferente. O impacto positivo de música por si só é mais poderoso.
Deixe de lado por um minuto o streaming e a “maravilha que é a internet”. Não se esqueça que estes ambientes são dominados por algoritmos, onde você está sempre feliz e seguro dentro da sua bolha. Quem programa sua bolha não quer que você pense diferente. As college radios sempre foram um espaço de free programming, discurso livre, novas e dissonantes vozes. Se estas rádios são vendidas, mais uma vez o establishment vence.
Para terminar, eu ia escrever tudo isso no facebook. Mas dai pensei: o que o Mark Zuckenberg fez por mim para eu dar audiência e conteúdo para ele? Além disso, provavelmente iriam reclamar: “ihh, lá vem textão“.
Quando eu comecei a fazer fanzine em 1989, a ideia era poder falar o que eu e meus amigos pensávamos, sem depender da grande mídia, DIY. Quando pensávamos nas músicas do College Radio de cada sábado, escolhíamos o que não era óbvio, o que poderia instigar as pessoas. Então, em homenagem às college radios, ao College Radio (obrigado Maradona, VRS e Dodô), ao pensamento e às leituras não preguiçosas, eu resolvi escrever este artigo aqui, no fanzine midsummer madness, meu pequeno sítio no meio de tantos latifúndios da internet.