Deveria ser algo natural quando nos aproximamos de uma certa idade que aquelas pessoas que conhecemos quando jovens talvez já não estejam aqui. Mas isso nunca vai ser natural quando uma pessoa ainda jovem morre. Ou, apesar de naturalíssimo, é ainda mais chocante quando é repentino, quando chega sem aviso. A Fernanda Azevedo, que para uma geração ficou conhecida como a “Fernanda da Motor”, faleceu dia 16 de Maio de 2024, em Belo Horizonte.
Eu estou longe e fazia muito tempo que eu não falava com a Fernanda, mesmo online. Apesar das homenagens em redes sociais ajudarem a aplacar a tristeza, eu continuo achando esquisito que essa vai ser a maneira de me despedir.
Por isso resolvi juntar tudo que amigos e amigas da Fernanda escreveram numa espécie de luto em corte e colagem, que eu gostaria que contasse pelo menos 10% de quão especial a Fernanda era. Também acho que cabe melhor um texto sobre ela num zine do que numa rede social.
Jornal O Tempo
Um dos mais importantes nomes da cena musical independente de Belo Horizonte, a produtora musical Fernanda Azevedo faleceu nesta quinta-feira (16), aos 47 anos. Ela foi encontrada morta no banheiro de sua casa, após um motorista que a levaria para o aeroporto de Confins contatar pessoas próximas, preocupado com o atraso da cliente. Ela acompanharia o C6 Fest, em São Paulo.
O corpo de Fernanda passará por autópsia para se descobrir a causa da morte – se foi um acidente doméstico ou uma espécie de mal súbito. Amigos próximos à produtora relataram que ela vinha reclamando de mal-estar nos últimos dias. Devido a essa indefinição, horário e local de velório ainda não foram divulgados pela família. A princípio, para atender um desejo da própria produtora, ela será cremada.
Artistas e produtores ficaram em choque com a notícia da morte de Fernanda, que foi determinante para o desenvolvimento do cenário underground na capital mineira. “Ela, literalmente, estava no underground quando tudo era mato. Ela contribuiu para todas as ações de música independente que eu conheço em Belo Horizonte”, afirma Leo Moraes, proprietário da casa de espetáculos A Autêntica.
(…)
“A perda da Fernanda Azevedo é um choque para o mundo cultural de Belo Horizonte. (…) Fizemos um projeto juntos que, de certa forma, marcou um pouquinho a história, que foi a Casa Ototoi”, lembra Bruno Golgher, criador do Savassi Festival.
“Trabalhamos juntas em diversos eventos da Motor Music. Era praticamente a alma das produções de lá. Uma mulher competentíssima e uma conhecedora de música como poucos”, afirma Angela Azevedo, dona da Noir, empresa que fez a assessoria de comunicação para vários eventos da Motor Music, produtora de Marcos Boffa e Jefferson Kaspar ficou ativa por seis anos, de 1998 a 2004.
O que eu escrevi no Instagram do midsummer madness:
“Muita coisa que o midsummer madness fez saiu da cabeça e da pilha infinita da Fernanda Azevedo.
Na Motor Music junto com Marcos Boffa, a Fernanda me pilhou a organizar os shows no RJ do Stereolab, Yo La Tengo, Mogwai, Cat Power. [obs. eu esqueci de incluir aqui o Shellac]
Foi ela quem me apresentou o Valv e ajudou incansavelmente a lançar o primeiro álbum.
Foi ela que ajudou a encaixar a Pelvs como banda de abertura numa turnê do Luna pelo Sul do Brasil.
Foi a Fernanda que me apresentou a Obra e ela que organizou shows e festivais onde tocaram bandas do midsummer madness.
Foi ela quem conseguiu páginas e mais páginas em jornais e revistas falando de lançamentos do selo, sem eu nem pedir
E isso foi o que ela fez só pelo midsummer madness. Se juntar mais 3 bandas, a lista cresce exponencialmente
A Fernanda é uma das mulheres mais incríveis que eu conheci nessa maçaroca brasileira que a gente chama de cena independente. E ela era uma produtora excepcional num meio dominado por homens
É muito estranho que pessoas como a Fernanda não estejam mais aqui. O simples fato dela existir me deixava confiante que algo de incrível e criativo iria acontecer.”
💔
Marcos Boffa:
A Fê da Motor Music. Para alem de muitos outros vínculos e qualidades que essa amiga querida possuía, carregava o orgulho e cultivava a memória de ter participado dessa história da cena de Belo Horizonte do final dos anos 90 e início dos 2000.
Com seu humor e inteligência buscava sempre pensar e viver a música como um trilha sonora existencial.
Sua partida na vespera de ir ver o Pavement no C6 Fest não poderia ser mais icônica
Descansa em paz pois você contribuiu muito com sua generosidade e inquietação para a cena do Faça Você Mesmo tropical . Sua memória será perpetuada por muitos lugares, pessoas e paisagens por onde você trilhou lindamente o seu caminho.
Alexandre Matias, Trabalho Sujo:
Fernanda Azevedo (1976-2024) 😭💔
Arrasado com a notícia da passagem da Fer. Ela não era só a madre superiora da produção independente brasileira, ensinando gerações e gerações sobre a necessidade de manter-se na ativa, fazendo acontecer não importe o que custasse – era também uma das melhores pessoas do mundo.
Conheci naquele fim de século quando a internet era um faroeste para os desbravadores da cena indie brasileira e ela apresentava-se como terceira integrante do choque de realidade que foi a Motor Music. A produtora mineira, idealizada pelo realizador Marcos Boffa e pelo zineiro Jefferson Kaspar, encontrou na Fernanda o motor de seu título – e ela, produtora à moda antiga, que ia aprendendo enquanto fazia, espalhava a palavra daquela nova realidade musical. “Fernanda da Motor” foi responsável por consolidar a cena indie de Belo Horizonte na virada do século ao mesmo tempo em que participou das primeiras turnês de artistas gringos independentes para o Brasil numa época em que ninguém acreditava nisso – e começamos a nos encontrar nos shows do Superchunk, Man or Astroman?, Stereolab, Yo La Tengo, Tortoise e tantos outros que trouxe ao Brasil pela primeira vez.
Depois que a Motor acabou ela não parou de produzir, fossem eventos, shows ou festas que idealizava ou que a chamavam para trabalhar – e gerações seguintes, tanto em Minas quanto no resto do país, reconheciam sua importância e a tinham como referência.
Mineiramente, ela nunca puxou a sardinha pra própria brasa, preferindo o estilo baixo perfil que deixava pra lá quando nos encontrávamos pessoalmente – sempre disposta a ir até o final, aprontando todas, juntando todo mundo e se esbaldando, mesmo a trabalho. Perdi a conta de quantas vezes me chamou pra BH seja pra discotecar, cobrir eventos ou participar de debates e toda vez que caía na capital mineira sempre dava um jeito de encontrá-la – ver a Fer era mais importante do que visitar o mercado central. A mera lembrança de seu indefectível largo sorriso sempre me causou suspiros e, agora, lágrimas.
Falei com ela segunda agora, combinando de vermos o Pavement juntos.
Que mundo injusto. Saudades, mulher, você já faz falta…
Bruno Orsini, Fleeting Media / Taboom:
A “cena independente” é como um experimento quântico: observar e filosofar demais a respeito traz risco de desmoronamento. Mas eu, e muitos dos amigos que vão ler isso, somos filhos do secularismo… e com todo o benefício que isso trouxe, nossa geração tinha também uma necessidade grande de fazer parte de alguma coisa maior. Para muita gente isso veio com a “cena” de música indie.
Conheci @feazeved quando ainda era adolescente. Ela era das minhas maiores referências de pessoa que arregaçava as mangas e fazia acontecer. Em pouco tempo estávamos colaborando na organização de shows, blogs, festas, selos, festivais… Toda sorte de furada, em que quase sempre perdíamos dinheiro mas fazíamos amigos, nos divertíamos e ajudávamos como dava todo mundo que estava fazendo música independente legal.
Ela trabalhou incessantemente pela cena de Minas, começando na saudosa Motor Music… Era fã e divulgadora #1 d’os Baratas Tontas, de tudo ligado à @aobrabh (mais CBGB’s que o próprio), do No Hands, do @valv.oficial , do Vellocet, do Multisofá, do @spymoons , do Young Lights e do @jayhorsth , do @churrus_official , do @folsomsoficial , do @jp.cardoso , do @luis_ecouto e da Devise… e de tantos outros projetos.
De uma maneira estranha, a Fê foi essencial na formação da minha identidade. Bizarro ela se ir assim, do nada, dois dias antes de me tirar da aposentadoria de festivais. Vai ser triste demais ver o Pavement lembrando que era pra ela estar fazendo air guitar ali do lado 💔
Caio Augusto Braga, diretor do documentário “Guitar Days”
Uma das pessoas mais incríveis que conheci nessa jornada nos deixa. Tudo na Fernanda é inspirador, a sua história, sua determinação em fazer tudo acontecer, sua boa vontade e bom coração, sua incomparável competência diante de qualquer dificuldade, sua articulação, sua vibração, seu desejo e habilidade para falar, seu bom humor.
A Fê veio pra ensinar e fez isso com maestria. De tantas histórias incríveis em que era protagonista, uma muito foda que envolve a gente foi quando ela encheu a projeção do doc em Belo Horizonte no mesmo horário de uma final de Copa América com Brasil x Argentina no próprio mineirão! E esse é só um exemplo dos milagres que Fernanda fazia remando contra a corrente em um nicho estéril no Brasil, que conta com muito poucos heróis. Fernanda plantava no deserto e florescia.
O mundo perde sem a Fernanda e a sua partida nos faz lembrar que sim, apesar de tanta canalhice nesse planeta, tem gente foda e boa entre a gente, e que a gente precisa se abraçar, se beijar, dizer que se ama, porque a vida é efêmera.
Você arregaçou, Fernanda! Muito amor, sempre.
PS.: Essa foto foi na casa dela, quando me recebeu com um carinho imenso, com direito a frango com quiabo e doce de leite ❤️
Fabrício Nobre, Cine Joia, Festival Bananada, MQN
Fernanda “da Motor” se foi!
Inacreditável, triste de rasgar o coração ♥️.
Das primeiras amigas que a música me trouxe, falamos segunda de nos encontrar pra ver o Pavement domingo.
Indie Rock Sempre, Fernanda! Vc é fuderosa, já tá fazendo falta.