Há bandas que fazem músicas tão densas que quase é possível tocá-las, sentí-las fisicamente – como se o som fosse fossem mais pesado que o ar. Também são visuais. Você ouve a banda e imediatamente imagens vêm a sua cabeça. Cenários se formam e parece tudo um grande videoclipe sem qualquer sentido. Um emaranhado de sequências nonsense que só possuem lógica naquele momento. Porque quando você ouvir de novo, tudo vai mudar.
No caso do 10.000 Russos, o que contribui para esse clima é o fato de terem saído do Porto, descrita por eles no site da gravadora como uma “cidade escura e decadente de um país periférico em um continente periférico”. Mas, mesmo assim, há um pouco da Cidade Invicta no som do trio. “A Rodrigues de Freitas a uma da manhã, com as sombras das árvores na pedra de um casario numa rua que já de si é totalmente escura. É isso”, é o que nos fala o baterista João Pimenta.
O 10 000 Russos é devoto direto do Krautrock, o que ajuda a explicar a construção de canções tão climáticas. Mas, como é natural em bandas desse tipo, não é só música que se faz presente no ritual de criação do grupo. A arte “pouco ortodoxa” é um bom paralelo com a banda. “Acho que o Krautrock é uma influência que todos nós temos na banda. Não funciona como motor, mas por vezes como farol”, diz João. E completa: “No meu caso, posso falar da obra de um Orwell ou de um Huxley. Os quadros de um Caravaggio ou de um Bacon (a quem nos compararam recentemente numa review)”.
Junto a João, estão o baixista André Couto (que entrou na banda com o carro em movimento) e o guitarrista Pedro Pestana que são ligados ao cinema. Bom, lembram-se do primeiro parágrafo? Talvez faça mais sentido agora. Com tantas referências fica difícil – e ainda bem! – encaixá-los num perfil. Post Rock? Psicodélico? Stoner? Tudo isso e mais um pouco? “ “Talvez seja melhor usar o termo ‘ desconstruir o que é uma banda de rock´”, sugere João.
Ajudando a criar este ambiente, o processo de criação da banda consiste em jams e mais jams até criar algo que tenha algum formato na cabeça deles. E aí criar mais em cima e gravar. Foi assim com os primeiros lançamentos e também com o último, “Distress Distress“. “Pessoalmente é o que mais tenho ouvido, não por estar lá tocando, mas sim como mais um disco. Acho que o nosso objetivo foi atingido, agora é esperar que as pessoas comunguem do mesmo”.
O álbum, com quatro faixas, gravado no HertzControl Studio, em Caminha, foi lançado pela Fuzz Records, uma gravadora inglesa comandada por um norueguês, onde são “colegas de selo” de gente como Black Angels. O disco tem sido muito bem recebido, algo que pode ser constatado com os reviews e notas que “nenhum de nós teve na escola”, brinca João. Mas por que não por uma gravadora portuguesa? “Nunca tivemos proposta de nenhuma editora portuguesa. A nossa carreira já não é meramente nacional há dois anos”, explica.
Realmente, a agenda recente do trio impressiona. No momento em que escrevo, o 10 000 Russos está em tour pela Europa, com 37 shows em pouco mais de um mês e meio, passando por países como França, Espanha, Alemanha, Bélgica, Holanda, República Tcheca, Inglaterra e, claro, Portugal. E está já é a terceira excursão europeia deles em dois anos.
Aproveitando a deixa, como a banda enxerga o cenário nacional, uma vez sendo uma das mais internacionais do país? Com um misto de crítica, deboche e bons olhos. Segundo o baterista, há boas bandas que pela geografia do país e a ausência de uma real indústria cultural lidam por tabela com o isolacionismo, de acordo com ele, a que Portugal estaria sujeito. “Ainda olham para nós lá fora como uma nação de ‘trolhas e porteiros’ de prédios. Há um preconceito grande que cai quando as pessoas gostam dos nossos shows. Aí a desconfiança dá lugar à curiosidade e subitamente já somos exóticos e não apenas ‘uma banda de albaneses'”.
Como já disse em uma entrevista a Antena 3, a banda é adepta da repetição até “chegar numa espécie de transe coletivo”. Tudo igual, mas sempre diferentes. Com mais e mais camadas. Como na estrada, com os shows seguidos, com os quilômetros se acumulando, com a rotina se estendendo. “Esperamos receber o cachê, vender merchandise, fazer novos amigos, ver shows de outras bandas, provar a comida local (quando existe alguma ‘Olá, Inglaterra’) e depois arrumar tudo no carro (sim, as turnês são feitas num Dacia) e seguir para o próximo destino. Acaba por ser mais rotineiro do que as pessoas pensam, mas de fato os dias são sempre diferentes”, finaliza.