Já faz um tempo que eu me surpreendo com o Marcelo Costa, ou MacCosta no escocês, como eu sempre me lembro dele. Se me perguntarem quem é eu vou dizer que é fanzineiro, editor do Scream & Yell. Mas peraí, o Scream & Yell aquele site?. Sim, ele mesmo.
(atualização: Marcelo nos enviou os S&Y 1, 3 e 4, além dos informativos que saíram entre o 4 e o 5. Veja no final desta matéria)
Para os novinhos, antes da internet, o futuro eram os zines (ainda são, né?). Se você queria se informar sobre o que estava acontecendo ao seu redor, ler um ponto de vista diferente, tinha que correr atrás de zines. No final da década de 90, os zines já estavam sumindo, com a entrada da internet comercial no Brasil. O S&Y começou a ser editado em janeiro de 1997, meio que na contramão da tendência da informação. Marcelo se lembra que o número 1 não chegou a sair, ele e o amigo João Marcelo, que diagramou a edição de estreia com a ajuda de uma amiga, montaram o zine todo mas no meio desse processo, o João sofreu um acidente de moto e não resistiu.
“Eu decidi engavetar o projeto”, relembra Marcelo, “Acontece que nós tínhamos distribuído alguns exemplares-teste, algumas pessoas tiravam cópias e passavam adiante. Uma dessas versões caiu nas mãos do Alexandre Petillo. Ele estudava Direito na Unitau, em Taubaté, e eu trabalhava na biblioteca de lá. Um dia ele chegou com uma cópia nas mãos e propôs me ajudar a fazer novamente. Relutei, mas um tempo depois decidimos tentar”.
Mac era auxiliar de biblioteca concursado da Universidade de Taubaté. Logo depois foi transferido para trabalhar na reitoria. O resultado da tentativa com Petillo foi exatamente este S&Y#2:
Com Chris Isaak na capa e matéria de página inteira sobre o cantor californiano, a 2ª estreia do S&Y vinha em 6 folhas de A4 dobradas, perfazendo um total de 12 páginas, xerocadas, em preto e branco, com diagramação bacana se comparado aos zines do começo da década (usavam PageMaker 5, o software de diagramação que se aprendia nas faculdades de comunicação da época). Matérias sobre Mundo Livre S.A e Belle & Sebastian (que ainda era chamado de best kept secret) como melhores discos de 1998, listinhas de melhores do ano dos editores e explicações na página final sobre o acontecido entre a edição 1 e a atual. É uma edição com cara de rearrumação da casa mesmo.
As cinco primeiras edições em xerox tiveram uma média de 300 a 500 cópias, o que é um número bem alto. A sexta e última edição em papel foi feita em gráfica com 1000 cópias. Outra coisa impressionante no S&Y era a periodicidade, quase bimestral: #2 em jan/fev de 1999; #3 em mar/abr de 1999; #4 em junho de 1999; #5 em ago/set de 1999 e a #6 em março de 2000. Mas foram apenas seis edições em papel. Mac se recorda que era uma época muito produtiva, que ele recebia fanzines de todos os cantos do Brasil, “muitos deles dando de 10 no que a grande mídia estava publicando sobre cultura pop“.
Abaixo a edição #4:
Na edição 4, as características da curta vida em papel do Scream & Yell se consolidam: blocos e mais blocos de texto, muita opinião e muitos colaboradores. No #4, vale a pena ler na página 8 o texto de Omar Godoy sobre o machismo e a idiotice do rock brasileiro do final dos anos 90. Bacana também é uma entrevista exclusiva com o IRA! nas páginas 18 e 19, a banda se preparava para lançar o álbum de covers “Isso é Amor” (na recém criada e ultra comercial Abril Music, que estava ressuscitando bandas de rock brasileiras dos anos 80). A capa e as páginas centrais são dedicadas à uma análise apaixonada da obra do cineasta Kevin Smith, que saía dos circuitos cult com “Procura-se Amy”.
Na página 20 e 21 os editores cavucaram novidades do independente da época, com resenhas de demos do Blemish, Dago Red e Mary Help, além de uma matéria com Feedback Club (o mmrecords havia lançado as três demos da banda de Santa Catarina), seguida de uma ambiciosa faixa-a-faixa do álbum “Deserter’s Songs” do Mercury Rev. Na última página, a lista de fanzines, uma tradição dos anos dourados que o S&Y, em plena era dos blogs, não deixou de lado.
E a última edição, a número 6, que veio com um irônico mito do rock dando dedos na capa.
O último zine impresso traz análises sobre filmes como “Dogma” (de novo Kevin Smith) e blockbusters do ano, como “Sexto Sentido” e “A Máfia no Divã”. Definitivamente uma pegada pop nas pautas do S&Y. Nas páginas 8 e 9, de novo o colaborador Omar Godoy detona bandas que cantam em inglês e imitam my bloody Valentine e Jesus & Mary Chain, sobrando inclusive para Pin Ups e o então adormecido Second Come, ao lado de um texto de Petillo tecendo elogios à nova safra do Cerrado, Divine, MQN e Motherfish haviam tocado no bar Alternative em São Paulo; tudo em nome de uma nova cara para o independente brasileiro. Tá serto!
Na página 16, Mac voa alto ao resgatar a discografia de Dulce Quental; comenta faixa-a-faixa o então recém-lançado “Summerteeth” do Wilco; Petillo resenha demos de Burt Reynolds, 4Track Valsa, Spots, Toy Confusion, Omen Filth; conto do Takeda na p26; e alguma zoação menos jornalística nas páginas 22, 23, 24 inclusive com matéria sobre futebol e truco.
Na série “Matérias Antológicas“, seção que vinha reproduzindo textos de jornalistas mainstream desde a edição 2 do S&Y, um texto do então polêmico Álvaro Pereira Jr., na época editor de uma coluna péla-saco na Folhateen e editor do Fantástico (Rede Globo), que adorava pegar no pé do nascente indie nacional.
Reproduzir textos dos jornalões? Qual a necessidade disso? Mac confessa que, como bom publicitário, incorporou alguns dogmas da profissão, mas que não havia nada de puxa-saquismo. “Na verdade, a gente queria ser lido (pelos “grandes jornalistas” de então) e retribuir um pouco do que aqueles caras tinham feito pra gente. Foi com eles que eu aprendi a arte de escrever, lendo Ana Maria Bahiana, André Forastieri, Lúcio Ribeiro, André Barcisnki, Alex Antunes, Marcel Plasse, essa turma toda. Eu queria dar perenidade àqueles textos. A alguns a gente pediu autorização e outros republicamos na cara dura, porque éramos (e ainda somos) apaixonados por aqueles textos“, explica. A seção Matérias Antológicas ainda está online na versão 1.0 do Scream & Yell
As aspirações jornalísticas do fanzine transpareciam, seguindo os manuais de redação das grandes publicações da época. Por exemplo, em quase nenhum fanzine você lia o cagoete da Folha de São Paulo, de colocar o nome seguido de vírgula e idade do entrevistado. Mas o S&Y seguia isso à risca, o que não deixa de ser inusitado. Marcelo Costa, 29, explica: “Bastou pintar uma oportunidade de trabalhar com jornalismo em São Paulo para largar tudo.”
Na mesma época da edição seis, outubro de 2000, aconteceu em São Paulo a Mostra de Cultura Independente, na Funarte, organizado pela Deborah Cassano e Megssa Fernandes, com shows de Hang The Superstars, Fishlips, Dominatrix, Sala Especial, Grenade e Thee Butchers’ Orchestra; debates, saraus e conversas sobre fanzines. Segundo Mac, é nesse momento que o Scream & Yell no papel morre e nasce o Scream & Yell online que você conhece hoje.
“Fazer fanzine impresso era um trampo danado, consumia grana, precisava uma dedicação que eu, recém-mudado para São Paulo e trabalhando em dois empregos (iG e Noticias Populares) não tinha. Dai surgiu o Hugo Tavares, que se apaixonou pelo fanzine e pirou que queria fazer o site. E fez. Ele entrou no ar em 20 de novembro de 2000. Eu trabalhava no iG de 6h às 12h, mas para abastecer o site com textos comecei a entrar meia-noite e ficava até meio-dia. Já teve épocas de eu acordar no meio da noite, rascunhar algumas coisas e pensar: vou fazer mais um Scream & Yell no papel. Mas passa...”
Mac prometeu nos enviar os números 1, 3 e 4. Assim que ele enviar, publicamos aqui. E quem sabe não sai um número 7 esse ano, para comemorar 20 anos do número um, heim Mac?
E aqui estão as edições que faltavam:
Scream & Yell nº 1
Scream & Yell # 3
Scream & Yell #4
Scream & Yell 4 e meio
Scream & Yell 5 e meio
Scream & Yell informativo 6 e meio