Nascido em Itajubá (MG) e hoje vivendo em Juiz de Fora, Eduardo Vasconcelos, 31 anos, ainda não se envolvia com a cena na época áurea dos fanzines impressos. Ele começou editando e-zines na “rede mundial de computadores” em 2004 no Inhamis, estúdio de produção e design com vários trabalhos bacanas (não chame de coletivo: “Se um dia eu entrar para algum coletivo, pode mandar me internar“, sentencia Eduardo). Em 2009, publicou o Lastsplash, blogzão clássico com muitas resenhas de discos. Em 2010, aquela coceira natural de querer ajudar as bandas o fez criar a Pug Recs, selo que lança principalmente fitas cassete, com Ciro Madd e Filipe Alvim no seu cast.
Já seria uma produção pra lá de prolífica mas recentemente ele inventou outras duas coisas: o site completista de visual retrô Database.fm e o micro-zine impresso Papelote. O nome deste já explica: Papelote são uns fanzines pequenininhos, quase como tiras de 1/3 de A4, dobradas, xerocadas e impressas frente e verso. Com o tamanho de uma figurinha, até se parecem uma: são impressos em sulfite colorido, e já sairam edições sobre Filipe Alvim, The Cigarettes, Ratos da Praça, BANG!, Pug Records, Josimar Freire e um sobre a própria Papelote. Os textos são didáticos, Eduardo explica: “As pessoas vão num show e voltam pra casa sem nem saber o nome da banda que tocou… Os Papelotes tentam reverter essa situação. A gente expandiu um pouco a temática e distribuição escrevendo sobre artistas de outras cidades e enviando os zines para fora de Jufas (Juiz de Fora)”.
Longe de mim dizer que “essa geração nova tem tudo mas não sabe o que fazer com a informação“… Quer dizer, acabei de falar. Pode ficar pior se eu começar com “a nossa geração é que sabia das coisas blá blá blá…” Apesar de subliminarmente estar falando isso, não é à toa que voltamos a fazer fanzine: parar de reclamar e (voltar a) fazer. Eduardo vem uma geração depois do titio que vos escreve e sofre da mesma pilha que nunca termina: “Quando comecei a me envolver, existiam várias fontes de informação relevantes. Comecei lendo a Showbizz com uns 15 anos, comprava as edições novas e resgatava as antigas em sebos, não tinha acesso à internet e a canais por assinatura. No começo dos anos 00, comprava a Zero e comecei a ler uns e-zines com certo atraso (1999, Ano Zero, Esquizofrenia etc), além de baixar edições do Tupanzine no Soulseek, rs. Lia também o Webhermetica, Mondo Bizarre, Gordurama, ZeroZen e outros que já nem lembro o nome direito”. Saudoso da informação relevante, ele acha que hoje a pessoas não nutrem relações com a música.
“Antes era predominantemente o pessoal que estava no rolê, gente que produzia show, tocava em banda, tinha selo, trabalhava em loja de discos, comprava discos, lia outros zines… E agora, mesmo sendo escrito por blogueiros aleatórios, os posts são muito mais complacentes com as bandas tenebrosas que rolam por aí! Rola um volume grande de informação e talz, mas se você juntar tudo de relevante que sai durante um mês e colocar numa revista, talvez não consiga fazer uma publicação melhor do que a Showbizz…”
A sensação é a de que parece que o filtro começou a falhar em algum momento, a maioria dos blogs parece viver à base de press-releases de assessoria de imprensa e de repetir em uníssono a notícia do momento. Claro que é pedante e generalista dizer isso, até porque existem as exceções, mas ninguém parece correr atrás de outra informação, de diversidade, de alternativas, ou pelo menos se preocupar com pesquisa, apuração e o mínimo de imparcialidade ao falar das mesmas coisas. Essa pasmaceira corre lado a lado com listas inóquas e abordagens sensacionalistas em busca de cliques. Eduardo acha que a atual cena alternativa está dependente “de blogs integrantes de um baixo clero (ou “centrão”, se preferir)” que mais atrapalham do que ajudam.
Toda essa discussão pode ser relativizada se você pensar que o Eduardo tem um selo e que milita a favor de um tipo de som que, pra variar, não é a unanimidade da vez (bem vindo ao clube!). Mas parece ser um conclusão óbvia desde 1989: se ninguém faz, faça você; ou, se ninguém fala, (re)crie seu fanzine e fale você. “Teve uma época em que era um caminho natural que um zine virasse um selo. Hoje, a tendência é que os blogs de música virem baladas com discotecagem temática de Arctic Monkeys e afins. E os selos, para garantirem a visibilidade das bandas, têm que se tornar produtoras/agências/assessorias e organizar um festival com um line-up bem abrangente. É natural e até positivo que selos e artistas acumulem essas funções. O problema é a obrigatoriedade de criar uma startup pra conseguir dar um rolê e fazer as pessoas ouvirem seu som. Até os anos 00, eu tinha a impressão de que se a banda fosse boa já era meio caminho andado para que o som circulasse, mas hoje é apenas um dos fatores.”
Ok, ok. Tá combinado que parar de reclamar e voltar a fazer pode ser o melhor caminho. Mas como o Eduardo citou, é necessário que exista qualidade no que se produz. E uma crítica em relação ao Database e ao Papelote é que o texto pode melhorar. A forma de ambos (o visual retrô do Database e o micro-zine no Papelote) chama atenção e essa é a especialidade do Eduardo, mas o texto ainda se parece um copy-paste de várias fontes. No Database, textos completistas sobre Cigarettes e Filipe Alvim e quando o assunto é de fã, Jesus & Mary Chain e Pixies ganharam um apanhado de anotações e notícias que está longe de ser a Wikipedia. É fanzine literal, coisa de fã, “anotações não lineares“, segundo o editor.
Tenho certeza ao entrar no Database, você levou um susto: deve ter achado que tinha algo de errado com seu browser, com sua internet, AI MEU DEUS, vírus! Nada, é isso mesmo. O DB segue o design dos primórdios da internet. “Teve uma época em que as bandas, selos e fã-clubes tinham sites super completos, mas a galera ficou com fogo no rabo e migrou pra blogspot, pra wordpress, pra tumblr e depois ficou sem saco. Muita coisa se perdeu“, justifica Eduardo.
E como o Eduardo vai selecionar nomes para o Database? “Quero falar sobre uma galera que deveria ser referência quando o assunto é a cena independente brasileira. Artistas que têm discografia consistente e que estão envolvidas em projetos que merecem ser destrinchados. Como não é uma página oficial, não preciso da autorização de ninguém, mas só vou fazer com quem manifestar interesse no projeto. Quando esses artistas ficarem em evidência, acredito que vá ser transmitida uma mensagem do tipo ‘As bandas que realmente importam dificilmente vão aparecer em sua timeline. Leia zines, explore os catálogos de selos independentes e questione essa onda coorporativa’ ”.
Na Papelote a busca da pauta vai depender de alguma conexão com as ações da Pug, do Database e das produções do Eduardo em Juiz de Fora. “O foco são as influências daqui e de outras cidades, os desdobramentos das festas, artistas e outras empreitadas juiz-foranas. Os artistas-tema do Database acabam virando Papelote, uma vez que são influência pro catálogo da Pug Recs, além de rolar uns sons deles nas discotecagens de umas festas de rua. É importante que o pessoal de Jufas conheça mais essas bandas para que eu volte a produzir shows aqui“.
Isso explica o formatinho: é pra colocar no bolso, ficar o mais barato possível “e eu não ficar puto de ver alguém jogando fora. Depois que você absorveu aquela informação, tem mais é que repassar o zine. Vou ficar muito puto se souber que tem gente colecionando esses papelinhos“. Para evitar o hype, ele avisa que a tiragem é infinita e que as edições de cada Papelote são atualizadas antes de cada retorno à gráfica. “Juntando tudo do Cigarettes, já foram 1.200 (cópias), sendo que hoje xerocamos a ‘versão beta 0.4’. O conteúdo vai sendo atualizado a cada edição. Mesmo que um artista esteja recluso ou que uma festa esteja em hiato, o legado deles continua reverberando e influenciando outras empreitadas, bem como eu posso resolver fazer um novo recorte da biografia, então sempre tem algo pra acrescentar – ou em erro ortográfico pra corrigir rsrs. Esses updates dialogam com a proposta do database, no sentido de evitar fazer posts/prensagens definitivas“.
Os mini-zines são gratuitos “apenas pra quem não é blasé”, adianta Eduardo, basta ter a iniciativa de pegar/pedir. Alguns selos, estúdios e lojas de discos no Rio e São Paulo estão distribuindo (o midsummer madness envia junto com qualquer item comprado na loja). Neste final de semana, entre os dias 17 e 19 de março, o jeito mais fácil de adquirir será na Feira Plana que acontecerá no Espaço da Bienal, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Papelotes estarão na mesa do Josimar Freire + Papelote Press (não confundir com “Coletivo Papelote”). Se você não vai à Feira Plana, o Papelote lança hoje (quinta, 16 de março) a versão online em http://www.papelot.press/ .