Eu acho um absurdo não conhecer as bandas do underground vizinho. Por exemplo, outro dia eu me apaixonei pela chilena Trementina que eu nunca tinha ouvido falar. Esta ignorância que faz com que a gente conheça artistas medianos do Estados Unidos ou da Inglaterra me incomoda. Se eu falo Português, conhecer o underground de Portugal deveria ser obrigação.
Mas foi seguindo um selo inglês que admiro muito, o Fuzz Club, que esbarrei com a MAQUINA.(assim mesmo, sem acento, tudo maiúsculas e com um ponto final) e chapei. Tomás (baixista), Halison (baterista, vocais e letras) e João (guitarrista) formaram o trio em Lisboa em 2021. Tomás e João já tocavam juntos num sextexto krautrock chamado NÃO!, que segundo Halison “não continuou por ser difícil de gerir, e que quando “um dos integrantes se mudou para fora de Portugal, o resto foi se dispersando“.
João e Halison já se conheciam desde o Festival Primavera Sound de 2017 enquanto Tomás era amigo de Chaby que geria o estúdio Trafka em Lisboa, onde todos se reuniam. Tocando juntos sem qualquer pretensão, a oportunidade para a MAQUINA. surgiu quando foram contactados para um show da NÃO! que, perdoem o trocadilho, já não existia mais. Ofereceram-se como MAQUINA. e assim foi.
Nos primeiros shows o trio ainda nem havia definido seu nome. Mas a boa recepção das apresentações ao vivo os levou a gravar “Dirty Tracks for Clubbing”, registrando músicas que já tocavam nos ensaios e funcionaram bem ao vivo. Na época disseram a um blog que este “primeiro disco não foi nada pensado. Foi tudo uma cena que fluiu“.
Lançado em 2023 nos formatos digital e CD pelo selo local Saliva Diva, a MAQUINA. fez 53 concertos (como falam em Portugal) a maioria no próprio país e três na vizinha Espanha. E a partir dai a chave mudou: “Com certeza (preferimos estar) na estrada a tocar, mesmo sendo algo que começou na brincadeira no estúdio sem grandes ideias de ser uma banda a sério, é completamente um som para se ouvir mais ao vivo“, explicam, “as músicas são mais orgânicas, nunca soam igual de um concerto para o outro e mesmo quando ensaiamos, vamos muito do feeling sem combinar muitas partes, o improviso está presente em todo o momento“.
Gravado no Waahs Estúdio em Lisboa, produzido e mixado por Chaby, “Dirty Tracks For Clubbing” foi, segundo a banda, “bem DIY, fizemos na sala de casa com monitores emprestados“. Essa revelação torna o resultado ainda mais surpreendente. O que não surpreende entretanto é que o CD tenha vendido todas as cópias e instigado no trio mais atenção ao projeto. “Nesse momento vamos fazendo quando podemos e temos tempo. O João por exemplo faz bar à noite numa associação, e o Tomás faz luzes à noite. Como são 2 trabalhos que envolvem muito finais de semana temos que fazer a escolha se é um dia de trabalho ou concerto“, revela Halison.
E dá para viver de música no circuito alternativo de Portugal? “Acho que isso é trabalhar e focar o máximo para funcionar e ver os resultados. Sentir claro que sentimos; se estamos perto acho que já é relativo. Gostamos de fazer música e tocar desde criança, mas com MAQUINA. era mesmo só diversão, recreio das outras bandas que tínhamos, nunca pensamos que poderia funcionar assim. Claro que quando começamos a ter o feedback foi muito automática as escolhas, foi aquela decisão mútua de algo que partilhamos“.
No começo de 2024 o trio lançou dois singles e prepara o lançamento de “PRATA” via Fuzz Club, mesma gravadora inglesa que lançou os também lusitanos 10.000 Russos e me fez descobrir os italianos The Gluts. Gravado no ARDA Recorders na cidade do Porto, produzido e mixado Carlos de Jesus, o novo álbum mistura composições antigas sendo gravadas pela primeira vez e novidades.
Além de uma produção melhor, com instrumental mais definido, o trio acha que o disco novo tem “músicas mais curtas, mais maduras, grooves mais para trás“. Continua pesado, próximo a Loop, Th’ Faith Healers e Can. O título do primeiro disco traz a melhor definição para o som da MAQUINA.: são músicas sujas, barulhentas, para você dançar num clube esfumaçado e escuro. Quando perguntados quais bandas gostariam de dividir um palco hipotético, Silver Apples, DAF, NEU, Cluster, Section 25 e Kraftwerk são as respostas. Na vida real, já tocaram com Hetta, Conferência Inferno, Cobrafuma, Blanche Biau, A Place to Bury Strangers e Deli Girls.
Para checar se o desconhecimento é mútuo, pergunto se conhecem algo atual da música alternativa brasileira. A resposta vem com a revelação de que Halison na verdade é brasileiro, de Diamante D’Oeste, uma pequena cidade perto de Cascavel (PR), e mora em Portugal há 10 anos. Talvez por culpa dele que o trio cite Boogarins, Deaf Kids, Bike (Halison já tocou baixo numa tour deles pela Europa) e Rakta. “Ah, não esquece de adicionar Catavento? Eu quase ia esquecendo, é uma banda que eu ouvi muito, principalmente o álbum “Lost Youth Against the Rush”, completa Halison.
“Prata” sai dia 05 de Abril pelo selo Fuzz Club.
Instagram MAQUINA.
Fuzz Club
fotos por Francisco Cabrita