Escrever sobre música é algo, na minha opinião, no mínimo, controverso. Afinal, música é, primordialmente, para se ouvir/sentir, e não para se falar sobre. Ah, mas existem as impressões! É preciso compartilhar as impressões. Ainda assim, compartilham-se impressões por meio de artifícios muito mais abertos e enriquecedores do que a resenha de um disco. Seja como for, existe uma curiosidade pelo outro (existe?), por aquilo que o outro teria a dizer. Por aquilo que um determinado outro teria a dizer.
O disco novo do Slowdive estabelece esse e outros diálogos ao longo de oito faixas que dão pistas sobre a banda, mas que falam principalmente àqueles que a ouvem agora e àqueles que a acompanham desde sempre, sem deixar de fora os que, por algum motivo, torceram o nariz para esse quinteto de trajetória ímpar.
Fronted by the pale, Mona-Lisa-like Rachel Goswell, Slowdive were becoming an important group to Creation both as an alternative to the indie-dance conventionalists and as short-order stand-ins for senior Creation bands temporarily in suspension. “There was a certain continuity with the Ride project,’ says Laurence Verfaillie, ‘and maybe a certain starvation for My Bloody Valentine. If My Bloody Valentine had come up with an album at that point (1990), I think Slowdive probably would not have signed to Creation.’
(do livro “The Creation Records Story – My Magpie Eyes are Hungry for the Prize” de David Canavagh)
“Shoegaze is music for morons” (Shoegaze é música para idiotas). Ao contrário do que faz querer crer o estigma reducionista atroz, esse dom particular na ordenação de sons, palavras e sensações, ainda carrega surpresas e outros desdobramentos.
Após 22 anos do lançamento do difícil “Pygmalion”, é impossível ouvir o novo trabalho da banda e não pensar nos discos do Mojave 3 e na carreira solo de Neil Halstead. Ao mesmo tempo, ‘Slowdive’, o álbum, a começar pela escolha do título, sugere um reatar dos laços que marcaram indelevelmente a pretérita, e curta, discografia do Slowdive, banda.
A abertura com ‘Slomo’ remete à quase abstração ambient de “Pygmalion” através de guitarras e vocais processados em crescendos climáticos executados pelos mestres do ofício. São faixas relativamente longas: a de menor duração tem 4:22 e a maior, a última, chega a oito! Sempre ouvi ecos de Pink Floyd no Slowdive, lá no fundo, soterrados na avalanche de reverbs, delays e choruses característicos.
O talento singular de artesão celestial de canções pungentes do cantor e guitarrista Neil Halstead (sim, merecedores de adjetivação ingovernável) dá sinal em momentos memoráveis. Destaque para um dos singles, “Sugar for the Pill”, que lembra fases específicas da carreira do Mojave 3, aqui slowdaivizadas – exalando vestígios de uma ‘Bluebird of Happiness‘, só que mais enxuta, direta, sem pianos ou suítes incidentais.
Outro dos pontos altos é a melodicamente rebuscada “Don’t Know Why”, belíssima, onde o vocal de Rachel Goswell comporta-se à altura de Liz Frazer, na faixa mais Cocteau Twins, influência declarada do grupo, do Slowdive até o momento.
Aliás, a tríade do miolo do disco – ‘Don’t Know Why’, ‘Sugar for the Pill’ e ‘Everyone Knows’ – é arrebatadora. Essa última deveria ter sido single e acredito que ainda será (como se eu me importasse). O tecladão chapado convida à celebração e traz memórias de um Stereolab pra festas enfumaçadas com no máximo vinte pessoas. De produção esmerada, dado presente em todas as faixas, ‘Everyone Knows’ dá até vontade de dançar.
‘Slowdive’, o disco, é uma consequência histórica do percurso do Slowdive, a banda. Em sua época, na primeira metade da última década do século passado, os atuais ícones do shoegaze eram vistos por muitos como uma experiência menor, algo próximo da irrelevância. A banda acabou em parte por conta do chamado shoegaze backlash, um ataque orquestrado contra o “gênero” perpetrado pelos semanários musicais ingleses Melody Maker e New Musical Express (mais ou menos isso).
Uma obra da grandeza do supracitado ‘Pygmalion’ alcançou o duplo “fracasso” de público e crítica. Foram ejetados da Creation, que, por sua vez, voltava as baterias promocionais, com grande êxito comercial, para uma banda, que você já deve ter ouvido falar, chamada Oasis.
Não à toa, os remanescentes do grupo, realocados então no Mojave 3, pareciam querer extirpar de sua música tudo o que pudesse ser considerado perfumaria e penduricalho etéreo, empunhando violões a serviço de uma estética folk/country mais crua.
Talvez seja importante contextualizar.
Ao retomarem o impulso inicial, os britânicos de Reading mostram que a beleza da existência se revela inclusive em um evento potencialmente tão cruel como a passagem do tempo.
O Slowdive toca em São Paulo, dia 14 de maio, dentro do Balaclava Fest, no Cine Jóia. Restam poucos ingressos.
Ouça Slowdive
Quarto e muito esperado disco do quinteto inglês de Reading que volta (por cima) depois de 22 anos parado. Marcelo Colares, do Cigarettes, explica.