Não lembro bem quem escreveu uma resenha do disco “End Of Silence” da Rollins Band na Bizz (quase certeza que foi o Barcinski): “este disco é como ser atropelado por um caminhão e agradecer o motorista”. Desde 1993 esta frase ecoa. Apesar de ter escutado o disco na época e ter presenciado equivalentes sonoros, a muito tempo não achava que tal sensação poderia ser reprisada, refinada e definida.
“Cortes Curtos” é ser esmagado por um rolo compressor e agradecer o condutor.
A esta altura do campeonato Kiko Dinucci não precisa de muita coisa. A cena que ele construiu ao seu redor é, sem dúvida nenhuma, uma das mais sólidas que São Paulo já viu e sua figura é indiscutível. Mas em uma tradição de artistas que viram o jogo com maestria, um clássico nasceu.
No mesmo fôlego: Vazolini, Vanguarda Paulista, Itamar, Ratos De Porão e Sabotage, como se não existissem delimitadores de espaço, tempo e regras, como a cidade retratada nesta obra prima que vai demorar muito para ser superada. Garanto que será um disco que só crescerá com o tempo, afinal Kiko, ignorando os princípios básicos da distribuição digital, colocou o disco apenas para download em seu site e no Youtube.
E se tudo isso não fosse suficiente, o disco tem “O” som. Apesar de sujo, foi gravado nos estúdios da Red Bull e graças a isso, é alto e definido na sujeira como uma estátua novinha em folha encravada na cracolândia.
Desisto.
Desisto de tentar entender e de colocar em palavras a importância deste disco. Um medo toma conta da minha pessoa: a intelligentsia local vai entender a brutalidade sonora do disco? “Muito barulhento” é o que a maioria dirá. E os fãs do barulho vão entender a poesia? Muita gente vai assistir o show? Isso deve ser muito denso ao vivo. Chega a dar medo. Sabe quando você sai para dar um rolê no centro a noite? Você já ficou na rua esperando o ônibus voltar a passar? Aquela hora sem fim entre 4:00 e 5:00, pouco dinheiro no bolso? Voltando de um show punk no fim da Barra Funda? Será que Adoniran passou por isso?
Pelo menos mais uma geração inteira terá que passar experiências parecidas e atualizar este sentimento para poder criar outra definição sonora de uma cidade. Nada bate Kiko Dinnuci em 2016, 2017, 2018, 2019…
Novo e super bem gravado álbum do Kiko é uma experiência agressiva.