Dia 1 à tarde. Toca o celular. Atendo.
– Olá, poderia falar com o senhor Luiz Henrique?
– Quem gostaria, por favor?
– Eu sou Fulana, consultora da Net. Temos uma promoção…
– Obrigado, meu quindim, mas não estou interessado.
Dia 2 à tarde. Toca o celular. Atendo.
– Olá, poderia falar com o senhor Luiz Henrique?
– Quem gostaria, por favor?
– Eu sou Fulana, consultora da Net. Temos uma promoção…
– Obrigado, meu quindim, mas estou numa reunião de trabalho.
Dia 3 pela manhã. Toca o telefone fixo. Atendo.
– Olá, poderia falar com o senhor Luiz Henrique?
– Quem gostaria, por favor?
– Eu sou Fulana, consultora da Net. Temos uma promoção…
– Obrigado, meu quindim, mas eu realmente não estou interessado em promoções da Net. Por favor, parem de me ligar.
Dia 3 à noite Toca o fixo. Atendo.
– Olá, poderia falar com o senhor Luiz Henrique?
– Quem gostaria, por favor?
– Eu sou Fulana, consultora da Net. Temos uma promoção…
– Obrigado, meu quindim, mas eu já disse que não estou interessado em promoções da Net. Por favor, parem de me ligar. Não me liguem mais! Desistam!
Dia 4 pela manhã. Toca o telefone fixo. Atendo.
– Olá, poderia falar com o senhor Luiz Henrique?
– Ele morreu.
– …
– Alô, quem gostaria de falar com ele?
– É Fulana, consultora da Net… Você disse que ele faleceu?
– Sim. Enfartou ontem à noite, depois de atender um telefonema. Ficou irritado, passou mal e caiu duro. Uma coisa horrível.
– Nossa, lamento muito… O senhor quem é?
– O filho dele. Enéas. Meu nome é Enéas.
– Senhor Enéas, seu pai era assinante da Net e temos uma promoção especial da Claro. O senhor estaria interessado em conhecer?
– Estaria, sim. Mas, infelizmente, não tenho dinheiro. O meu pai, sabe, só deixou dívidas. Ele era alcoólatra. O dinheiro que não gastou com bebida, gastou apostando em corrida de cavalos e com prostituas. Ele gostava muito de prostitutas. Chegou até a me levar a um puteiro certa vez. Eu gostei. Escolhi um travesti, que me sodomizou com tanto carinho… Ai, as lembranças… Mas do que eu falava mesmo? Ah, do maluco do meu pai, Luiz Henrique. Então… Torrou o dinheiro todo com mulher, birita e jogo. Acho que com pó também. Aliás, talvez isso tenha a ver com o enfarto. Nossa! Não tinha pensado nisso ainda… Será que ele cheirava também? Não, não… A morte foi causada pela ligação. Alguém ligou ontem para ele, a pressão subiu e – puf! – bateu as botas. Mas, então, querida… Não vai dar para pegar essa promoção. Estou mais duro que a seção rítmica do Legião Urbana. Sem um tostão furado. Acho que nunca mais vou poder pagar um travesti para comer meu cu. Para você ter uma ideia, não tenho dinheiro nem para o enterro. Neste exato momento estou aqui, diante do cadáver, olhando para ele pensando no que fazer. Está meio fedido. Talvez eu devesse cortar em pedaços menores e guardar no freezer até decidir como resolver. Depois, vou atrás de quem ligou pro meu pai. Ele era um filho da puta mas era meu pai, né? Alô, alô… Você está aí ainda, querida?
por Luiz Henrique Romanholi
originalmente publicado no Facebook
Romanholi é jornalista e toca no Picassos Falsos