Na segunda-feira eu ainda não sabia que já conhecia o First Aid Kit. O YouTube já tinha me sugerido várias vezes, o Spotify também, uma amiga tinha falado “você vai gostar” e minha flatmate me disse, antes de viajar para um congresso em Albuquerque, que o primeiro dia da bosta do congresso tinha caído justamente no dia do show do First Aid Kit.
Por algum motivo estranho, provavelmente associado à minha insistência em ouvir sempre as mesmas coisas e à minha estupidez de achar que os caminhos de qualquer dupla meio country passariam perigosamente perto de chitãos e chororós, o duo sueco formado pelas irmãs Klara e Johanna Söderberg me passava desapercebido.
Mas então veio a segunda-feira e aconteceram duas coisas:
Coisa um: a paquera me chamou pra um café e mencionou, praticamente numa mesma frase, as palavras mágicas Belle & Sebastian, The National e Leonard Cohen. (Ela também mencionou Billie Holiday e tentou me convencer a comprar um toca-discos, mas aí é outra história.) Logo depois do café, eu já de volta ao trabalho, ela me mandou uma mensagem “ah, tem show do First Aid Kit amanhã“, e outra “ah, está esgotado” e outra “ah, acho que consigo ingresso com um amigo, que tal?”
Coisa dois: antes que eu pudesse responder às mensagens ou pesquisar no google sobre a banda, abri o facebook e o primeiro post na minha timeline era o Rodrigo aqui do Midsummer Madness falando alguma coisa sobre os anos 1980, música lenta, mãozinha na cintura e o clipe de “Fireworks“, faixa 03 do “Ruins”, novo álbum do… First Aid Kit.
No dia seguinte lá estava eu no MTELUS, uma espécie de Cine Joia paulistana no centro de Montreal (Canadá). Entre chegar meio atrasado, guardar o casaco e conseguir uma bebida eu acabei perdendo quase todo o show de abertura de um tal Van William – ele voltaria ao palco durante o bis das irmãs pra tocar sua puxenta “Revolution”, que elas ajudaram a gravar. O lugar estava lotado, por sorte consegui me estacionar num canto sem derrubar o copo, atrás de um grupo de pessoas relativamente baixinhas.
Klara e Johanna entraram no palco acompanhadas de Melvin Duffy no pedal steel, Scott Simpson na bateria e o barbudo Steve Moore nos teclados e trombone. Não sei se foi Klara ou Johanna quem disse que a barba do Steve era particularmente macia. Eles começaram o setlist com “Rebel Heart”, faixa 01 do novo álbum, e minha primeira impressão permaneceu até o final do show: por mais que a banda esteja em sintonia e que os arranjos soem certeiros, é a voz das irmãs que realmente dá vida à coisa toda. É bom quando elas se revezam, e é incrível quando elas se soltam ao mesmo tempo. Ao fundo, projeções de coraçõezinhos. Quando chegou a vez de “Fireworks”, lá pela metade do show, letras projetadas no telão como um karaoke – Why do I do this to myself every time? / I know the way it ends before it’s even begun / I’m the only one at the finish line –, eu já estava convencido, seria preciso voltar ao YouTube, ao Spotify.
Dentre todas as pessoas que foram ao MTELUS aquela noite, eu provavelmente sou o menos capacitado para comentar sobre o First Aid Kit. Eu não conhecia nem mesmo o hit “My Silver Lining”, com aquelas vocalizações deliciosas no refrão, que fechou o show quase duas horas depois de ele ter começado. O cover de “America”, do Simon and Garfunkel, eu certamente teria reconhecido, mas essa elas não tocaram.
Então eu não sabia direito o que esperar quando Klara e Johanna, muito à vontade no palco e muito simpáticas (atenção especial para a apresentação dos músicos da banda, mistura de jogral infantil com locutor de estádio em dia de All Star Game), ocuparam e fizeram vibrar todo o espaço com músicas quase melosas, pés fincados no folk, vozes fortes para músicas delicadas, tudo muito bem executado.
Não gostei de “Postcard” (a faixa mais country da banda, nas palavras de Klara) e não entendi o cover de “Crazy On You”, da banda americana Heart (me disseram depois que os canadenses adoram as irmãs Ann e Nancy Wilson, imagino que tenha sido por isso); e “You Are The Problem Here”, que critica explicitamente a violência contra mulheres (como disse Johanna, é preciso falar dos agressores e não das vítimas), apesar de inevitável, me pareceu um pouco deslocada entre a faroéstica “The Lion’s Roar” e a romântica “To Live A Life”. Mas essas impressões se dissiparam rapidamente e foram mais do que satisfatoriamente compensadas por “If It Be Your Will”, cover do montréalais Leonard Cohen (as irmãs disseram ter visitado, mais cedo naquele mesmo dia, a exposição sobre a obra de Cohen no MAC da cidade, e explicaram que fizeram vários shows em homenagem ao cantor back home in Sweden).
De volta para o bis, após terem ensaiado um divertido la-la-la-ra-la-iá com o público, Klara e Johanna chamaram os músicos para a frente do palco, todos ao redor de um mesmo microfone. Meu copo já estava vazio há tempos, mas eu não tinha saído do lugar, o risco era grande de não conseguir voltar. Fiquei com aquele copo na mão, não faço a menor ideia do que as outras pessoas fizeram com seus copos vazios. E então, meio à capela, eles tocaram “Hem Of Her Dress”, foi bonito demais. Tenho que agradecer de novo à paquera – ela não me deixou pagar o ingresso, mas me fez comprar pro show do Wilco em abril, o que tomei como um ótimo sinal.
E minha flatmate vai morrer de inveja quando voltar de Albuquerque.
por João Vitor Leal.
João é jornalista, doutorando em Cinema atualmente na Universidade de Montréal