Foi no Primavera Sound do ano passado, durante um show gratuito de Belle & Sebastian que o Stuart Murdoch comenta: “Ok, estamos organizando um cruzeiro que vai sair daqui de Barcelona, fiquem de olho”. Cruzeiro? O que me levaria a um cruzeiro? Belle & Sebastian, Mogwai, Teenage Fanclub, Camera Obscura, Buzzcocks, Vaselines. Esse line-up com alguns grupos mais foram o motivo de eu ter gastado uma grana e me metido nessa confusão.
A ideia do cruzeiro era reviver o festival que eles organizaram no passado: o Bowlie Weekender. Por sorte, minha amiga Laura já tinha uma cabine reservada, encabecei e desse jeito tivemos acesso ao show exclusivo no teatro em que o B&S tocou na íntegra o “Fold Your Hands Child, You Walk like a Peasant”. O line-up é de um festival dos sonhos mas a experiência gerava um pouco de estranhamento. Pagamos religiosamente nosso carnê indie das Casas Bahia e compramos o pacote Openbar que dava direito a cerveja e vinho liberados. Não tem como dar erro.
Não teve erro, apenas algumas decisões difíceis. Muita banda boa e horários que coincidiam, bandas novas, atividades. Vaselines ou um evento para conhecer o pessoal do barco? Muito bom o show do Vaselines no Atrium, um palquinho e pouca gente, ainda atracados em Barcelona. No clima náutico começaram com “High Tide, Low Tide”. Depois aquele hitaço que prova que Vaselines > Nirvana. “Jesus Doesn’t Want Me for a Sunbeam”. E me dei conta que pagaria o dobro no tal cruzeiro que nem do porto saiu. Rolou também “Molly´s Lips”. 2×0 Vaselines. No intervalo, tinha showzinho do Honeyblood em um mini palco e outro com Nilufer Yanya. Eu fui jantar, já tenho uma idade e uma ideia do que viria por aí.
As 20h estávamos todos no deck da piscina, onde montaram o palco principal: o showzaço de bem-vindos do Belle & Sebastian. Antes disso, eu que não sou muito boa em guardar caras e tenho vergonha de pagar de fã, já tinha feito uma foto com o Norman do Teenage e o cara que eu pensei que era o Raymond do Teenage Fanclub mas era o Eugene do Vaselines. Eu nem ia tirar foto, tenho vergonha, mas o clima do cruzeiro era de festinha cheio de gente boa. O primeiro show do B&S for com o Stuart felizão, vestido de marinheirinho mandando só aquelas das mais tocadas do Spotify. Pediu para o capitão do barco fazer um tchu-tchu e todo mundo foi ao delírio. Foi a primeira das mil vezes que vi o grande campeão do barco, o multi-instrumentista e sempre sorridente Dave McGowan.
Campeãozaço o Dave, porque acho que ele tomou um Red Bull e já estava tocando de novo, dessa vez com o Teenage Fanclub. Depois que o Gerard saiu da banda, entrou o Dave que é o recordista do Boaty. A única tristeza desse show foi que coincidiu com Mogwai tocando no teatro. Não deu. O Raymond estava no seu melhor dia e aquele deck da piscina com garçom trazendo drink na primeira fila parecia minha ideia de paraíso. Coincidiu também com Django Django mas o clube dos 40+ nem se abalou com essa possibilidade. No Atrium rolou som com o tal do Propaganda, da festa indie mais famosinha de Manchester. Altas expectativas e parecia um dj de casamento. Aquele que manda “Blue Monday” com “This Charming Man” na sequência. Para aguentar essa barra tomei todas, perdi o showzinho do Whyte Horses e acabei em uma festinha no camarote da delegação espanhola até as 4 da matina.
Pela manhã, tinha meditação com uma monja tibetana sei lá o quê e aula de Yoga com a craque do Vaselines, a Frances McKee. A única coisa que me fez levantar e passar a ressaca foi o show do Buzzcocks do jeito que está. Foi uma bosta perder o Pete Shelley e acho que para compensar, o velho do Buzzcocks, Steve Diggle fez o punkão em dobro. Foi o mais bagaceira do cruzeiro sem nenhuma dúvida. Aliás, o roadie rasta deles também deu o que falar. O som do primeiro show estava horroroso mas as músicas são tão boas que o vinho branco equalizou.
Enquanto rolava um open mic com o Stevie do B&S e show da Kelly Lee Owens, eu e Laurete preferimos continuar no vinho na piscina. Corta. Diálogo: estamos em uma piscina dentro de um barco no mediterrâneo com nossa tacinha e ouvindo Alvvays. AO VIVO. Isso é o que chamo de vida boa. Alvvays mereceu o lugar no cruzeiro, bandaça. Em paralelo tinha gente fazendo meditação com a monja tibetana, sério, essa gente é feita do mesmo material que eu? E isso porque tinha show do Whyte Horses rolando noutro bar.
O Belle & Sebastian, donos da porra toda, fizeram uma sessão de Q&A no palco do Deck. Não dei bola porque tinha uma sessão especial que eu reservei de Carta de Vinhos com o Ira Kaplan do Yo La Tengo e o irmão dele. Dei mole, cheguei tarde e minha mesa estava lá atrás. A proposta deles era legal. Era tocar uma musica que passasse a ideia do que eles achavam de cada vinho que a gente ia provar. Boa maneira de empacotar meu hobbie burguês mas acontece que eu já estava meio belelenga e meus copos estavam suados e o vinho quente. Pra que eu vou tomar vinho quente? Levantei da mesa e fui pra minha amada cabine fazer minha siesta mediterrânea. Nem dei piti.
De volta ao Deck da piscina dessa vez com essa banda fofa e talentosa chamada Camera Obscura. Que voz minha gente, que teclado perfeito. Claro que rolou “French Navy”, “Lloyd, I’m Ready to be Heartbroken”, “Let´s Get Out of This Country”. Ahhhh, eles tocam muito. Eles fizeram no domingo um set muito bom no teatro e tocaram “Eighties Fan”, uma das minhas preferidas. Inesquecíveis, fugiu aquela lagriminha.
Nesse Love Boat é difícil encontrar hora para comer e olha que sou bem ogra. Jantamos qualquer coisa para recuperar o corpo da primeira ressaca do dia e corremos pro Yo La Tengo no deck. Fizeram um show bem fanfarrão, cheio de cover e tal. Abriram com “Sea Cruise” do Frankie Ford. Dava para ver que as bandas em geral estavam curtindo muito a ideia do festival no cruzeiro. Detalhe, sexta foi a noite temática com todo mundo vestido tema náutico. Só dava marinheiro, capitão, só tenho muito a agradecer a pessoa do Belle & Sebastian que inventou essa noitada. Cover do Teenage, cover do Norman Blake… Só sei que saí correndo na hora do Tom Courtenay para chegar no teatro a tempo de ver o Teenage Fanclub.
Certeza que no Japão, no textbook de inglês, tem um capítulo inteiro do Teenage. Sempre tem a delegação japonesa. Sentei na primeira fila, meio na direita e o núcleo nippon, que geralmente se comporta tão bem, estava alucicrazy, cantando e dançando loucamente. Tive que apartar meu pezinho algumas vezes. Foi um tiroteio de hits. A música nova sem o Gerard Love é bem boa: “Everything is Falling Apart”. Me belisquei 40 vezes: “Alcoholiday”, “About You”, “It´s All in My Mind”, “Start Again”,”Your Love is The Place Where I Come From”, “I Don´t Want Control of You”, “The Concept”, “What you do to me”… Fecharam com “Everything Flows”.
Norman felizão, Raymond felizaço, Dave-multihomem em chamas. E o cruzeiro seguia rumo a Itália. Ainda tinha karaokê, mas eu não precisava de nada. Podia ser o Titanic e afundar, estou nem aí, deve ser o momento auge da minha vida, agora só pode vir decadência e diante desse pensamento filosófico, segui o corredor de peixinhos dourados até minha caminha deixando atrás a população marinheira (suspiros).
O Boaty atracou em Sardenha e fomos loucas atrás de um café decente. Um calor dos infernos. Sorvetes mil, canolli de pistache, overdose de frutos do mar – rolou até ostra – coisa fina mas cada uma custou dois euros, mais barato que muita trasheira. De volta ao barco, um dos melhores momentos do barco, da vida. O show Buzzcocks Celebration: Buzzcocks with friends Dessa vez, o rasta rodie resolveu trabalhar e o som estava bem melhor que o primeiro show. Vários músicos do barco se uniram a banda para cantar. O primeirão foi o cabeludo do Yo La Tengo e depois a banda toda. Mandaram “Boredom” e “Time’s up”. Subiu o cara do Vaselines empolgadão pra cantar “Fiction Romance” (uma das minhas favs). A menina do Alvvays com “Noise Annoys”. O cara do Django Django, o Stuart e o Stevie do B&S, a Frances do Vaselines, o cara do Camera Obscura. Foi o evento mais aloprado do barco, todo mundo enlouquecido, calorzão, geral empolgadaço. O velho do Buzzcocks foi coroado o rei bagaça do barco, incontestável.
Outro show de arrancar lágrimas foi bem na sequência. Olha, esse barco foi melhor que qualquer terapia. Yo La Tengo no teatro, o Stardust, foi catártico. Foi um show muito mais experimental que o do Deck. Sentados, com ar-condicionado, som mega bem equalizado. Isso é o que eu chamo de luxo. “From A Motel 6”, “Sugarcube”, “The Story of Yo La Tango”. Um setlist de mudar o estado físico das matérias em looping. Foi complicado descolar da poltrona.
Para terminar esse sábado a única coisa que tinha no barco era show do Belle & Sebastian. Está virando rotina. Claro, eles bloquearam o palco do deck da piscina no sabado só para eles. Eles fizeram um set diferente do primeiro show, tinham mais músicos com instrumentos de corda. Mandaram um “Eleanor Rigby” meio inesperado. Teve “Dear Catastrophe Waitress”, “Funny Little Frog”, “I Want the World to Stop”… Foi mega dançante e na verdade era muito biruta estar cercado de tantos fãs de B&S no meio do oceano cantando todas as músicas.
Ah, chamaram um menino de 12 anos no palco para cantar “Don´t Stop me Now” do Queen, ele tinha cantando no OpenMic do Stevie. Aproveitei para rechear o copo porque não sou muito de Queen. Outra vez subiu um bonde para dançar no palco. Para fechar a noite eles colocaram no programa: B&S DJ Party. Tocaram várias pessoas, rolou até um Jorge Ben em algum momento. Uma da trilha sonora do Austin Powers. Enfim, não anotei nada porque era um sábado a noite e eu nem sabia que ia escrever para vocês! (na verdade, o que acontece no Boaty, fica no Boaty… isso é uma versão do que eu lembro).
Domingo foi o dia chateado. Estava acabando esse lance surreal que não sei bem nem como classificar. Acordei cedo e fiquei SOZINHA na piscina. Imagina um barco todo de ressaca. Hot Tub sozinha, espreguiçadeira. Lá pela hora do almoço vi Japanese Breakfast (não é trocadilho infame), fiquei feliz em ter conhecido a banda porque em meio a tantos clássicos da minha vida nem me importei em ver coisas novas/diferentes e foi uma boa surpresa. Encontrei o parça do Buzzcocks no bar e a gente tinha trocado umas ideias na sexta, acho. Perguntei: E aí, ressaquita? Ele disse: “Raquel, this is a Nonstop“. Ele bebe bem. Momento adolescente feliz. Tivemos a conversa: o que faz um punk como você em um barco como esse. Rolou Vaselines no Deck na sequência.
Depois do almoço fomos ver um pouco do Wojtek, The Bear, porque a Laura conheceu o baterista e ele pediu uma força. A gente dá, né. Logo fomos para o tal show exclusivo do B&S que eu falei lá pelos primeiros parágrafos. Foi super bonito porque eu não tinha visto quase nada desse disco ao vivo. Teve uma que foi meio pesada, “The Chalet Lines”. O Stuart meio que falou que tinha rolado com ele em um camping de verão, affff, foi bem down esse momento. Até uma mulher levantou do teatro e saiu chorando acompanhada pelo marido. Abalou. Eles tocaram o disco inteiro então foi animando. Teve uma hora que chamaram as crianças vestidas de marinheirinho para fazer coro no palco, foi zona total. Ah, a Isobel estava pelo barco, esse disco tem músicas dela mas nada dela subir em nenhum dos shows. No final rolou de novo geral dançando no palco. Laura, Gustavo, Leo representando. Eu precisava ficar sentada. Era uma overdose de uma alegria absurda e até agora a ficha ainda está caindo, tipo a ficha do Laerte.
E esse cruzeiro não é para os fracos. Não mesmo. Ainda teve outro Yo La Tengo no deck da piscina. Esse foi mais experimental e barulhento dos três. Até o velho do Buzzcocks não reclamou (eu lembro que ele deu uma zoadinha no B&S em algum momento em alguma conversa). Fui para o Camera Obscura no teatro e depois firme e forte para um dos shows mais esperados do deck: Mogwai. Porque eles tinham tocado já duas vezes antes no teatro, mas coincidiu com Teenage e Camera Obscura. Ah, antes do Mogwai, passei mais uma vergonha no débito. Estava lá no bar do deck e avistei uma espécie de Onde Está Wally e falei para a Laura: “Pô, acho que é o cara do Mogwai”. Tenho vergonha mas é o último dia, queria uma fotinho. Cheguei lá e bom: “Desculpa incomodar, sou tímida mas queria uma foto“. Ele tirou os óculos e foto. Eu podia ter calado a boca mas falei: “Puxa, amei a trilha do Les Revenants“. E saí correndo. Assim que começa o show do Mogwai e o Wally não estava no palco, ele era o cara do Vaselines. Vou escrever no survey do cruzeiro que da próxima vez coloquem crachazinho de My Name is nos trabalhadores musicais. Evitariam situações vexatórias.
Mogwai foi aquela explosão, o verdadeiro jambu. “Haunted by a Freak”, “Mogwai Fear Satan”, “I’m Jim Morrison, I’m Dead”. E o barco voltando para Barcelona, um céu maluco todo cinza, trovão e mormaço… Acho que ninguém queria ir embora. Eu estava arrasada. Teve uma última festa com o povo todo animado, clima somos brothers com o tal do dj Propaganda & Friends. (Acho que o Teenage todo foi embora em Cagliari, não os vi mais nos rolês, só ele, Dave McCogan, todo um herói. Ele e seus clones porque ele estava por todos lados.).
Depois de tantos shows imbatíveis eu não tinha corpo para aguentar festinha com hits fáceis e me retirei. Pela manhã, tínhamos até as 8h30 da matina para sair do barco. Ainda rolou um elevador com o jovem do Buzzcocks de camisa aberta. Bem cafetão. Mandei um: “O som do segundo show estava bem melhor, hein jovem?” Ele: “Incrível que você consiga falar a essa hora da manhã alguma coisa que faz sentido“. Olha só, o princeso é todo articulado.
Acabou. Puxando a mala de rodinha e no perrengue de novo. Depois de 5 dias em um cruzeiro que tocava B&S de música ambiente no corredor, fui arremessada a realidade. Foi doloroso. Eu que nunca fui fanzaça de Belle & Sebastian agora escuto pelo menos 2 ou 3 músicas ao dia. Pensei que se tivesse que assinar algum papel para voltar para a segunda edição do Boaty eu assinava com meu sangue. Se tiver que vender um rim, coloco no Ebay. VENDO RIM (BEM USADO).
Enfim, ainda não sabemos se farão uma nova edição. Ainda estou no grupo do facebook tentando não ser tão saudosista. No dia seguinte roubaram meu celular com todos meus vídeos e fotos e assim, adeus o pouquinho que registrei de som e imagens. A última imagem foi o Steve e os demais do Buzzcocks da varandinha da cabine deles dando tchau para todos que saiam do barco. Foi incrível. Ainda não aterrissei muito bem. Cruzeiro, eu? Só se for outro do Belle & Sebastian. A rehab segue. E la nave va.
Marinheira de primeira viagem nos mares mas capitã do Indie, Raquel Gariani conta como foi a experiência no Cruzeiro Indie, o Boaty Weekender - presta atenção Roberto Carlos!