Eu ando tendo vários diálogos imaginários na minha cabeça ultimamente.
O que eu falaria para aquela amiga querida que acha que se a esquerda ganhar as eleições de novo, vamos virar uma Venezuela.
Ou como eu falaria para aquela tia onde eu sempre passei as férias, que o texto que ela compartilhou no whatsapp de um padre dizendo que não é justo que homossexuais tenham tratamento psicológico, vai contra a fé que ele próprio professa.
O que eu falaria para pessoas que me seguem nas redes sociais que não entendem que a música que eles ouviram a vida toda é o oposto do que prega o Bolsonaro. Que se o Dead Kennedys, ou o Sonic Youth, ou o Radiohead, ou o REM, ou Sigur Rós fossem bandas brasileiras e estivessem ativas no país nesse momento, todas elas estariam agindo contra o candidato que segue em primeiro lugar.
Como explicaria para estas mesmas pessoas que o fanzine e a gravadora que eu tenho há quase 30 anos sempre foram um ato político, que arte e música não são descoladas de política e ativismo social.
Como eu entraria no assunto “eleições no Brasil” com um amigo querido que sempre teve posições diferentes da minha, como eu faria isso sem causar briga ou decepção.
Estes diálogos viram uma confusão na minha cabeça e ficam ainda piores porque eu sou prolixo. É uma doideira. E faz muito mal. Eu queria tanto poder ter conversas reais com todas estas pessoas mas o Mundo virou um lugar maluco onde todos falam o tempo inteiro mas ninguém se entende.
Antigamente existia o boato, o famoso telefone sem-fio. Ou como bem pontuou um amigo super carioca: “eu fico muito chateado ao ver cariocas usarem o termo fake news quando nós temos a palavra caô“. Não é novidade a desinformação. Inclusive, sempre foi uma das táticas de guerra mais eficientes. Mas de uns anos pra cá, a desinformação está mais rápida do que a capacidade da sua amiga querida, da sua tia, do seu amigo e até sua, de olhar no olho da outra pessoa e tentar ouvir, conversar, se entender.
Esses diálogos imaginários pioram quando você entra em redes sociais: imagine-se num circo onde todos gritam e ninguém se escuta. É depressivo quando todos se calam: ninguém ouviu, ninguém foi ouvido.
E o Mundo virou esse circo. Acho que todos voltam para suas casas com estes diálogos imaginários em suas cabeças e cada vez mais certos das suas verdades nem sempre verdadeiras.
Eu preciso dizer. O que acontece no Brasil desde o Golpe de 2014 é um processo muito bem arquitetado para domesticar uma potência que perigava construir um novo caminho, independente, sólido. E a histeria coletiva das redes sociais fazem parte deste plano. No circo, todos são poderosos e o bom senso desaparece em correntes de mentiras que viram verdades.
Você vira “comunista, vagabundo e depravado” porque se preocupa com o bem estar de todos enquanto que a família e os bons costumes cristãos começam a achar normal um padre dizer que quem pensa diferente dele é doente mental. A cegueira alimenta medos e os medos fecham as pessoas ainda mais em seus dogmas.
Escolher o futuro de sua comunidade, do seu país, deveria ser uma discussão construtiva, progressista e democrática. Mas o plano de submissão que eu citei acima prega o oposto: “porque deixar que as pessoas pensem claramente? Vamos confundi-las cada vez mais, vamos fazê-las brigar entre si”. Num cenário de briga, as pessoas tendem a escolher o lado bélico, das armas, da intolerância, do militarismo.
Eu me recuso. E tento ter esperança que os diálogos deixem de ser imaginários, que a gente possa conversar na praça sobre política, sem correr o risco de desaparecer. A minha mãe lutou contra isso nos anos 70. Quase desapareceu. Ironicamente, a luta dela permite que a pessoas votem em 2018.