Faz uns meses que estou morando em Londres e a quantidade de shows para ver é enorme. É algo similar à quantidade de música nova que aparece todo dia: se você não colocar uns filtros, enlouquece. Acho que estou indo bem: dos cinco shows que eu não queria perder (e este é um dos filtros), três eu vi e dois eu perdi.
Um dos que eu não queria perder era o Alvvays na turnê do “Antisocialites”, 2º disco da banda canadense lançado em 2017. E ontem (23/fev) eu consegui vê-los no Roundhouse, em Londres. Mas foi por pouco.
Alguns shows são bem caros por aqui; os dois shows que eu perdi foram porque eu ainda estava assustado com o custo de vida da cidade: Ride por £28 (algo em torno de R$133) e Dinosaur Jr por £30 (R$141). O do Alvvays, quando anunciou, estava £18 (R$85).
Dai você compara com R$300 para ver Wilco e pensa: “Esse cara tá reclamando de barriga cheia!“. Não, claro que não, o problema é que se você somar todos os shows, e colocar nessa conta que a cerveja custa em média R$25, mais transporte, etc, o que pesa é a fartura.
Enfim, quase perdi o Alvvays porque duas semanas depois de anunciado, esgotaram os ingressos. Cambista aqui é igual no Brasil: tentei comprar pro Ride e o cara queria £50 pelo ingresso de £28. Não fui.
Sei lá porque, 2 semanas atrás, o Roundhouse liberou mais ingressos para o Alvvays e dai eu não pensei duas vezes. Custou £22 cada, incluindo a tal taxa de conveniência. Sim, aqui também tem.
O Roundhouse é uma espécie de centro cultural, com um palco lindo, redondo, quase um teatro de Arena, mas muito, muito maior. Não entendo muito, mas parece com aquele tipo de teatro Shakespeariano.
Os ingressos que ficaram disponíveis eram na parte de cima; não tinha mais como ficar perto do palco, no meio da galera. Essa foto mostra meu ponto de vista, lá de cima do poleiro. Tudo bem, melhor poder ver comportadamente sentado do que não ver. E, pra ficar melhor, os escoceses do Spinning Coin foram anunciados como banda de abertura, yes! Duas bandas fodas na mesma noite!
O Spinning Coin subiu ao palco pontualmente às 20h15. E eu queria me concentrar no ato de subir ao palco para falar deles.
Mais um parênteses: o fato de estar em Londres e ver uma cena e um mercado funcionando à todo vapor me fez relativizar vários conceitos que eu formulei nestes quase 30 anos de midsummer madness. Por isso vocês estão lendo este texto gigante em vez de ler uma simples resenha de show. Parênteses fechado.
Enfim, o Spinning Coin subiu ao palco assim meio sem jeito, meio sem graça. Era uma mistura de “eu não estou nem aí pra vocês” com “será que essa galera toda aqui vai prestar atenção na gente?“. Entre afirmar sua arte e questionar o formato do mercado, o Spinning Coin me lembrou os primeiros shows do Second Come, a incongruência do Stellar ao vivo e o estranhamento de ver a Pelvs do começo no palco.
O Roundhouse comporta 1700 pessoas e ontem deviam ter 1800 pessoas pelo menos. Com o volume de som baixo e pouca comunicação com o público, o Spinning Coin tocou meia hora, se comportando como se estivesse num clube para 15 pessoas (ou menos). Isso é bom, fortalece a roupagem twee, Pastels anos 80, que eu acho que eles querem passar.
Ao mesmo tempo eu fiquei pensando como um dono nórótico de gravadora: “Caralho banda, ganhe esse público, sirva-se a eles, me faça faturar, porra!” Mas graças a deus eles não são assim. E eles só não são assim porque estão no Geographic, selo do Stephen Pastel, que com certeza nem estava no show. A diferença aqui é que mesmo funcionando assim, o Spinning Coin é capaz de se apresentar para 1500 pessoas num lugar foda.
“Mas qual conceito foi redefinido, Lariú? Não entendi.”
Um conceito que nunca deveria ter mudado: foda-se o que diz o mercado ou a cena, faça o que você acredita. O show do Spinning Coin não foi fuderoso, mas o modus operandi da banda é a beleza de tudo. Subir no palco para falar do seu pequeno mundinho e associar belas melodias a isso é a Class of 86 bombando em pleno 2018.
Destaques do show foram “Tin” e “Raining on Hope Street”, as mais antigas do repertório e que também entraram em “Permo” (disco de estreia da banda). Veja um trechinho:
Vinte minutos de intervalo e o Alvvays sobe ao palco debaixo de aplausos. Interessante notar que o público era bem misturado: de quarentões a adolescentes, todos ali esperando ansiosamente pela banda.
Parênteses para estudo antropológico: quando eu era adolescente, esperar ansiosamente pela banda significava que assim que ela colocasse os pés no palco, você virava uma daquelas meninas histéricas vendo os Beatles no Ed Sullivan. Hoje, quarentão, eu me sinto assim internamente e não exteriorizo. Principalmente sentado comportadamente ao lado de outros quarentões, como se estivesse no poleiro do Teatro Municipal.
Só que os ingleses, quarentões ou não, são comportados e comedidos o tempo todo. Era estranho ver um lugar lotado, esperando pela banda, e não vê-los pulando, como naquelas imagens clássicas de shows do Pixies ou do Ride ou do Happy Mondays nos anos 90, que você via uma massa pulando e pensava: “Nossa, como eu queria estar ali“. Agora eu estava ali, vendo minha banda predileta dos últimos anos começar o show com “Hey”, seguida de “Adult Diversion” e depois o hit do disco novo, “In Undertow”. Porque a massa não pipoca? Veja um trecho:
Tudo bem, os ingleses são comedidos, eles vieram ver o show. Lá no meio da muvuca, um grupinho pequeno de adolescentes agitava, em determinado momento rolou até um body-surfing. O restante prestava atenção educadamente, aplaudia efusivamente ao fim de cada música. A banda, especialmente a vocalista Molly, estava muito feliz de tocar para estas pessoas. Comparado ao show anterior que vi do Alvvays, Molly soltava uns gritinhos no meio das músicas na mais clara felicidade.
O Alvvays ao vivo é perfeitinho, eles são classe média branca, se vestem bonitinhos, são bonitinhos, não oferecem perigo. A Molly é a Paula Toller se ela fosse indie. Ou nem isso, será que se a Paula tivesse nascido em Toronto ou Nova Iorque ou em Londres, o Kid Abella seria o Alvvays? E por isso, o público se divertia comedidamente. Não há nada urgente, no melhor estilo “o mundo que eu vejo da janela do meu quarto não entende o que eu sinto por dentro“. The Smiths. Oh meu deus, Class of 86 novamente. Só que aqui, para 1500 pessoas.
Musicalmente, o Alvvays de “Antisocialites” se confirma cada vez mais anos 80. Sabe aquelas músicas que você pode dançar dando chutinhos?
“Lollipop (Ode to Jim)”, “Plimsoll Punks”, tudo aproximou o Alvvays do Pretenders, Go-Go’s e do Primitives, tudo que influenciava o Kid Abelha nos anos 80, na era das danceterias. Até “Not My Baby” ficou parecendo “Como Eu Quero”.
E é tão maneiro ver adolescentes se interessando pela instrospecção e pelo tipo de som das bandas desta noite. Isso me faz crer que sempre haverá uma Geographic lançando o Spinning Coin em algum momento. Olha só a empolgação com “Archie, Marry Me”:
A comparação com Kid Abelha não tem nada de pejorativo. Kid Abelha é uma das bandas pop mais competentes que o rock brasileiro gerou. Reconhecer competência não significa necessariamente gostar. E talvez a relação entre Alvvays e Kid Abelha seja apenas uma forçada de barra para te trazer até aqui. Sustentar essa teoria só porque Molly e Paula tem cabelo platinado tem pouco a ver com o que me interessa em música.
Forçei a barra para realçar a diferença: foi como se o Alvvays fosse uma banda pronta, estabelecida, num momento em que pode escolher entre ser as Bangles ou o Heavenly; numa noite onde estava acompanhada pelos minhocos absolutos. É como se a Pelvs abrisse um show do Kid Abelha em 1991. E o Kid Abelha voltasse para o bis tocando Raincoats. Pois o Alvvays voltou para o bis com uma música do Elastica… ops, Elastica? “Eles querem ser pops“, você imagina. Errou porque eles não tocaram “Stutter” ou “Connection”, eles tocaram “Blue”, uma pérolazinha escondida no álbum mais famoso do Elastica.
Well done Alvvays!