Era Carnaval de 2003, uma quinta feira. Provavelmente dia 28 de Fevereiro de 2003. Eu e Sol Moras chegamos numa ladeira próxima ao Hotel Glória, estrategicamente perto do (Bar) Amarelinho, naquela época ainda o original, antes de gourmetizar. Devia ser quase 7 da noite mas ainda estava claro – naquela região do Rio de Janeiro, subir uma ladeira escura seria algo memorável.
Era um casarão que escondia a Rádio Viva Rio FM, transmitida como rádio comunitária (não me perguntem a frequência) e também via internet. Sim, Viva Rio é a mesma ONG fundada pelo Betinho em 1993 para combater a violência no Rio de Janeiro. Fomos convidados pela Mônicão (não me perguntem o sobrenome, eu esqueci) para fazer um programa na rádio que parecia uma college radio tal a diversidade de programas. Entendi que a gente ia tocar my bloody Valentine e Godspeed You! Black Emperor espremido entre programas de samba e hip-hop.
Eu e o Sol já havíamos produzido alguns episódios do 5 Estrelas para uma rádio comunitária chamada Progressiva FM mas não deu muito certo. Estes episódios eram gravados no Estúdio Freezer da Pelvs e enviados sei lá como para a rádio, que ficava na Baixada Fluminense. Não era ao vivo, o alcance da rádio era pequeno então a gente nunca conseguia ouvir. Além disso, os recursos do Freezer nos distraíam, deixando os primeiros 5 Estrelas psicodélicos, para dizer o mínimo. Me lembro que o Sol adorava inundar com reverb as nossas vozes e parecia que a gente flutuava no espaço enquanto apresentava o programa. Afinal, era para a Progressiva FM…
Em 2003 eu ainda trabalhava como produtor na sucursal da MTV no Rio de Janeiro, pediria demissão no ano seguinte porque não aguentava mais o canal deixando a música de lado para fazer programas de variedades. Eu não tinha tempo sobrando mas de alguma forma conseguia escapar toda quinta feira para a rádio.
Fazer programa de rádio ao vivo era um sonho desde o fim do College Radio na Fluminense FM em 1994, e depois de experiências frustradas na Rádio Costa Verde no final dos anos 90.
Para aumentar a expectativa, a Viva Rio também era uma webradio, algo extremamente avançado no começo dos anos 2000. Não existia smart-phone, eu tinha um Nokia 1100 azul claro, o Sol não tinha celular. A gente ainda comprava e escutava CDs ou baixava arquivos de áudio de qualidade duvidosa no Soulseek e, se não me engano, levava as músicas que queriamos tocar num dos primeiros modelos de pen-drive com exuberantes 256 e 540 Mb de espaço ou mais provavelmente num CDr. Um dos episódios do 5 estrelas ganhou o título de “rame” porque as músicas que a gente queria tocar não funcionaram… ao vivo! Mas o estúdio era profissional apesar de simples e o nosso técnico de som preferido era o Eric.
Começamos a transmitir ao vivo toda quinta-feira de 19h às 20h. Eu adorava escolher as músicas, pesquisar as informações, pensar nos BGs (músicas de fundo) e me lembro que planejava ter convidados em todos os programas, algo que eu não conseguimos manter por muito tempo.
O Eric gravou todas nossas transmissões ao vivo e eu achei os arquivos num CDR, 21 anos depois! A qualidade do mp3 não é das melhores e a improvisação ao vivo tem as deficiências técnicas prováveis. Ainda assim, é extremamento divertido!
Ouça: 5 estrelas – episódio 1 [bastard pop]
Neste primeiro programa o tema foram os Mash-up, ou Bastard Pop. Era começo dos anos 2000 e a onda de misturar 2, 3 ou mais músicas para criar uma nova estava bombando. Os nomes mais famosos eram 2Many Djs (foto acima) e Dsico. O convidado era o DJ carioca Lúcio K que criava os seus próprios mash-ups ao vivo nas festas que tocava no Rio de Janeiro. Um destes mash-ups, misturando Blur “Song 2” com Prodigy “Smack My Bitch Up”, ele tocou primeiro nesta edição do 5 estrelas que ainda teve Troggs, Atari Teenage Riot e mais um monte de mash-ups.
Eu me lembro de tentar ser didático, quase professoral. Minha preocupação era levar my bloody Valentine para as massas, por mais arrogante que possa soar. É possível me ouvir traduzindo termos do inglês, explicando conceitos obscuros da música alternativa e abusando das biografias para apresentar bandas anglo-saxãs.
Nos mais de 80 programas gravados, recebemos como convidados Marcelo Camelo (Los Hermanos), os DJs Edinho, Gordinho e Tito, cada um com seu episódio, os jornalistas Tom Leão e Alex Antunes, Marcelo Colares do Cigarettes e teve até um episódio com o o patrono do funk carioca Dj Marlboro. Pensando em levar shoegaze e post-rock para as massas, dá para perceber que nossa seleção de convidados era nada convencional.
A ideia é ir publicando estes programas, que vamos passar a chamar de episódios, aqui no midsummer madness. Nós até tentamos distribuir via streaming mas obviamente fomos vetados por não ter licença para usar as músicas.
Vinte e um anos depois, esperamos que vocês gostem.
Jean Dom
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