Se tem algo que é muito claro pra mim em Portugal é que este é um país de contradições. Moderno conflitando a toda hora com o antigo; tradição que esbarra na vanguarda; pastel de nata com última palavra em gastronomia…
Pra começar, a própria revolução contra uma ditadura foi feita aqui por meio de um golpe militar. O que para nós soa um tanto (dado o nosso passado e presente), well… contraditório.
Obviamente que a música produzida aqui levaria muito disso no seu ethos. É o que ficou mais claro pra mim ao assistir à “Bastardos, Trajetos do Punk Português 1977-2014” (Dir. Eduardo Morais), que conta a história do movimento no país até (na época) dias atuais.
O punk português tem a peculiaridade de aparecer logo depois da Revolução dos Cravos (o famoso 25 de abril) em que supostamente o país estaria mais livre e de mãos dadas com a democracia. Mas o que gritavam os precursores do movimento era que essa tal liberdade não era tão “livre” assim. Eles queriam era “violentar o sistema”. Eram jovens que estavam fora de qualquer um dos grupos políticos da época. Não eram parte dos revolucionários, nem dos situacionistas. Eles – e isso é a essência do punk rock – estavam sem perspectivas e excluídos de qualquer grupo relevante da sociedade local. O que eles queriam era “abrir caminho”, porque tudo era uma “grande pasmaceira”.
Falando de contradições, um dos grandes fomentadores do movimento, o radialista António Sérgio (o John Peel tuga), é quem começa a espalhar um Sex Pistols aqui, um Clash ali… isso na Rádio Renascença, conhecida como “a dos padres”. Punk numa rádio de caráter religioso? Pois é.
De um jeito torto, o punk era de certa forma uma materialização das promessas (ainda não cumpridas) do 25 de abril. Mas de forma radical, barulhenta e até inconsequente e que deixa marcas até hoje. Ao ponto de Portugal ter um centro de estudos dedicado ao estilo e suas ramificações, o Kismif.
O documentário tem a grande virtude (uma das) de deixar bem demarcado quem eram as figuras principais do gênero ao longos dos anos e quais as cenas que foram se destacando. Fica fácil de entender como o punk foi se entranhando no país e se adequando às realidades locais e criando lendas e histórias míticas.
Deixe um pouco do seu preconceito de lado com a música portuguesa e tire um tempo para assistir a Bastardos. Em tempos de Brexit, Le Pen, Trump, Bolsonaro e outros, eu fico me perguntando se essas bandas não estariam ainda super atuais.
Mais em http://www.punk.pt
Ótima matéria sobre o punk portuga no site da revista local Blitz